Após os incêndios de 2017, a Médicos do Mundo iniciou uma missão de emergência humanitária, para apoiar as vítimas locais em Castanheira de Pera, Santa Comba Dão e Oliveira de Frades.

Em Setembro de 2017, a organização terminou a fase de emergência em Castanheira de Pera e iniciou um projecto de desenvolvimento local, o Projecto Esperança – Castanheira de Pera, e continuou a Missão Esperança, suportada pelo programa de voluntariado e logística.

Embora pareçam semelhantes, ambas as intervenções têm objectivos e actividades distintas, que se podem complementar, a fim de devolver esperança às populações apoiadas pela Médicos do Mundo.

O Projecto Esperança – Castanheira de Pera

Em Junho de 2017, Castanheira de Pera foi fustigada por um incêndio que provocou vítimas mortais, a destruição de muitas casas, anexos e áreas verdes. Contudo, e durante a intervenção de emergência, foram identificados inúmeros casos de carências sócio-económicas, que antecediam a catástrofe e colocavam em risco o acesso a condições de saúde e bem-estar das populações locais. O Projecto Esperança – Castanheira de Pera pretende responder à vulnerabilidade das pessoas carenciadas e promover o acesso a cuidados de saúde.
 

projecto esperança castanheira de pera

 

António Braga, enfermeiro da Médicos do Mundo e coordenador da equipa de rua, fala-nos sobre a importância do projecto, os objectivos e os principais impactos na vida da população apoiada.

Médicos do Mundo (MdM): Em 2017, a Médicos do Mundo (MdM) criou a sua primeira missão de emergência humanitária aqui em Portugal – a Missão Esperança. Em Setembro nasceu o projecto de desenvolvimento para responder às necessidades locais. Que necessidades são estas?

António Braga (AB): Quando a MdM entrou no terreno, em Castanheira de Pera, encontrou uma população com uma enorme carência socio-económica, Por um lado  temos a população activa com uma taxa de desemprego elevada e, por outro, uma população idosa, incapacitada ou inválida, com reformas reduzidas, que não garantem a sua qualidade de vida e o seu bem-estar.

A nível de recursos de saúde, existem dificuldades de recursos humanos e materiais no  centro de saúde local, que não oferece um serviço de atendimento permanente 24/7. Os serviços médicos especializados são todos em Coimbra o que obriga os utentes a fazerem longas distâncias.

Nas aldeias mais próximas, as pessoas vivem isoladas, sendo que existe um falta de transportes públicos regulares para fazer a ligação com o centro da vila, onde estão concentrados o comércio, os serviços sociais e de saúde. O isolamento é por isso uma situação difícil de contornar quando falamos de aldeias com poucos habitantes, os quais são idosos.

Antes dos incêndios, o centro de saúde local não tinha nenhum psicólogo para acompanhar as pessoas com patologia psiquiátrica. Aqui em Castanheira de Pera, o número de pessoas com diagnóstico de patologia psiquiátrica é grande e são muitos aqueles que necessitam de uma intervenção psicoterapêutica.

MdM: A MdM desenvolve projectos que visam melhorar as condições de vida dos beneficiários e atenuar os impactos da exclusão social, nomeadamente, a falta de acesso a cuidados básicos de saúde. Qual o contributo do Projecto Esperança na vida das pessoas?

AB: O Projecto Esperança visa o levantamento da situação social e de saúde de todos os idosos do concelho de Castanheira de Pera, a prestação de cuidados de saúde e apoio psicossocial à população local, afectada pelos incêndios, e à população com carências económicas, bem como um trabalho de promoção de comportamentos para a saúde e promoção do envelhecimento activo.

O Projecto Esperança pretende ainda continuar a fornecer, através de sinalizações efectuadas pela equipa de rua, e por recurso à participação de voluntários, apoio alimentar para pessoas e animais e apoio medicamentoso.

Projecto Esperança Castanheira de Pera

 

MdM: O projecto Esperança conta com uma equipa de rua, que nasceu no período de emergência. Que respostas são dadas com este tipo de intervenção?

AB: Com a equipa de rua conseguimos garantir o apoio psicossocial às situações de vulnerabilidade e a sua referenciação à rede social de suporte, triamos e avaliamos situações sinalizadas, atendemos pessoas com necessidades sociais, damos consultas de enfermagem, monitorizamos o estado de saúde (tensão arterial, glicemia, etc), damos apoio alimentar a pessoas, animais domésticos e animais de grande porte, fazemos visitas domiciliárias, higienizamos domicílios, acompanhamos utentes às estruturas da rede social de suporte e apoiamos com a doação de móveis e electrodomésticos.

Já no que toca à promoção da adesão do público-alvo ao regime terapêutico medicamentoso, a equipa de rua dá apoio medicamentoso, acompanha os utentes às consultas quando necessário, monitoriza a adesão ao regime terapêutico e faz educação terapêutica.

A par destas actividades, promovemos sessões individuais e colectivas de educação para a saúde.

MdM: A Terapia Ocupacional é uma vertente muito importante deste projecto. Quais os impactos na vida dos beneficiários?

 AB: A Terapia Ocupacional é uma vertente muito importante no Projecto Esperança.

Começou com a integração de duas estagiárias, do curso de Terapia Ocupacional, na equipa de rua e que tiveram a oportunidade de ajudar na criação de um Projecto de Tapeçaria com fins terapêuticos.

Entretanto, duas voluntárias, com formação superior em Terapia Ocupacional, disponibilizaram-se para ajudar o Projecto Esperança e apresentaram um projecto de intervenção na sua área de formação, a que denominaram: (Re)Começar.

Este projecto consiste, e segundo as próprias autoras, em ajudar a população de Castanheira de Pera numa fase pós-catástrofe, tendo em conta que os incêndios provocaram um desequilíbrio ocupacional, afectando as rotinas, papeis e ocupações das pessoas. Desta forma, tornou-se essencial um restabelecimento destas rotinas, envolvendo a população em ocupações significativas, de modo a evitar o isolamento social.

O Projecto (Re)Começar, conta então com sessões de movimento e relaxamento, de estimulação cognitiva, dinâmicas de grupo e atelier de culinária.

Ao fim de cerca de dois meses de trabalho, a avaliação dos utentes acerca das intervenções das duas voluntárias é muito positiva na medida em que reconhecem e verbalizam clara e objectivamente os benefícios que estas intervenções têm tido ao nível do seu bem-estar e da sua qualidade de vida.

Projecto Esperança Castanheira de Pera

 

MdM: A Médicos do Mundo trabalha em parceria com outras entidades, de forma a garantir os cuidados de saúde locais. Que rede é esta e como é que funciona?

AB: A equipa de rua trabalha em parceria todos os técnicos do Centro de Saúde de Castanheira de Pera, tendo uma articulação mais assídua e próxima com a UCC (Unidade de Cuidados Comunitários), com a equipa de sáude mental comunitária e com a psicóloga do centro de saúde.

Trabalhamos também em parceria com os serviços sociais locais. Sempre que há uma necessidade ao nível da assistência social da população trabalhamos directamente com a Segurança Social, com a Câmara Municipal, com a Santa Casa da Misericórdia, com o Centro Paroquial e com a Cruz Vermelha Portuguesa.

À excepção desta última, todos os técnicos das entidades mencionadas anteriormente, bem como a Médicos do Mundo, fazem parte do recém-criado grupo de discussão e definição de estratégias de intervenção conjuntas. Este grupo pretende estabelecere um espaço de encontro onde se podem articular esforços, rentabilizar recursos e aumentar a eficácia das acções de apoio aos utentes de Castanheira de Pera.

A Escola Básica 2 3 Dr. Bissaya Barreto também é nossa parceira no Projecto de Educação para a Saúde que estamos a desenvolver até ao final do ano lectivo 2017/2018.

A Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Leiria é nossa parceira através do protocolo com a direcção do curso de Terapia Ocupacional. Deste protocolo resulta a orientação de estágios de alunas do último ano do curso de Terapia Ocupacional, que acabam por desenvolver actividades técnicas da sua área de acção sobre a supervisão clínica do enfermeiro da equipa de rua.

A Missão Esperança em Castanheira de Pera

A Missão Esperança pretende desenvolver acções de voluntariado, por todo o país, sempre que a sua intervenção seja necessária, em contexto de emergência humanitária e de pós-emergência.

Em Castanheira de Pera, a Missão Esperança continua a receber vários voluntários, a gerir a logística dos bens doados e a apoiar a população em contexto pós-emergência.

Maria Sousa, coordenadora do voluntariado da Missão Esperança, fala-nos sobre a intervenção e a importância dos voluntários para a missão da Médicos do Mundo.

Missão Esperança Castanheira de Pera

 

MdM: Para além das actividades relacionadas com a prestação de cuidados de saúde, que outras actividades estão a ser desenvolvidas pela Médicos do Mundo no terreno, nomeadamente na Missão Esperança?

Maria Sousa (MS): Além das actividades relacionadas com a prestação de cuidados de saúde, estão a ser desenvolvidas actividades, na Missão Esperança, relacionadas com a reconstrução e recuperação de rotinas. Devolver às pessoas as suas vidas, é uma prioridade e algo que encaramos como um pilar fundamental. Em alguns casos, as próprias actividades que não envolvem prestação de cuidados de saúde, acabam, após a sua realização, por ter um impacto positivo na vida das pessoas, reflectindo-se em ganhos para a saúde. É possível por exemplo, com a reconstrução de uma horta, em que a pessoa não teria já a capacidade de reconstruir sozinha, devolver uma ocupação, recuperar uma rotina, tirar o beneficiário de casa, combatendo a solidão que é muitas vezes potenciada pela falta de ocupação.

Assim, começámos por construir uma horta solidária, num terreno que nos foi cedido para o efeito. É nesse espaço que temos os produtos que mais tarde chegarão às hortas que serão reconstruídas.

À imagem da horta solidária, temos também o Viveiro Solidário, onde estão armazenadas árvores das espécies mais procuradas, em processo de engorda que servirão para repor algumas das perdas das pessoas afectadas pelos incêndios, sejam elas nossos beneficiários, ou não. Para além do impacto na recuperação das perdas pessoais, há também a valência do impacto visual, que foi a certa altura, uma das nossas preocupações, no sentido de minimizar a paisagem destruída, quer na replantação de árvores, quer na remoção de escombros nas áreas afectadas pelo incêndio. 

Missão Esperança Castanheira de Pera

 

MdM: Qual a importância dos voluntários no projecto de continuidade em Castanheira de Pera?

MS: Digamos que, se a Missão Esperança fosse um corpo, os Voluntários seriam o coração. São eles que permitem que tudo seja possível. Aliás, grande parte da força de trabalho da MdM, assenta em Voluntariado.

Em suma, o Voluntariado é a força que tem permitido que a Missão Esperança se mantenha no terreno a apoiar a população afectada pelo incêndio e foi também o que permitiu que se pensasse de forma realista em iniciar um projecto de continuidade.

É através dos Voluntários, que conseguimos dar resposta a todas as solicitações de apoio que nos chegam e desenvolver as actividades que efectivam essa resposta, de forma célere, mas sobretudo com brio, que é uma das nossas principais premissas quando nos propomos a executar uma tarefa, da mais simples, à mais complexa.

A presença dos Voluntários junto da comunidade, é também um suporte importante e uma forma de combater o isolamento. A forma altruísta com que nos chegam, o empenho, a alegria e a grande vontade de ajudar, tem um impacto que só presencialmente se pode percepcionar nos beneficiários da acção.  

Missão Esperança Castanheira de Pera