Como surgiu a oportunidade/vontade de abraçar o trabalho da MdM?
Ouvi falar nos Médicos do Mundo pela primeira vez num curso de Saúde Global e Medicina Tropical que fiz no estrangeiro. Rapidamente percebi que os Médicos do Mundo se tratavam de uma das organizações de ajuda humanitária mais activas na Europa, pelo que através de uma rápida pesquisa na Internet tomei conhecimento dos projectos a nível nacional que a representação portuguesa dos MdM desempenha. Pouco depois candidatei-me como voluntário médico e fui então envolvido na Equipa Técnica de Rua.
Que trabalho tem desenvolvido com a equipa MdM?
Tenho principalmente contribuído na prestação de cuidados de saúde a indivíduos em situação de vulnerabilidade social, nomeadamente sem abrigo. Como voluntário médico integrado na Equipa Técnica de Rua, procuro com os restantes membros da equipa responder aos problemas de saúde dos utentes que nos procuram utilizando os recursos que nos são disponibilizados.
A população em situação de sem abrigo necessita essencialmente de que respostas?
Para além da assistência a situações clínicas agudas, destaco a medicina preventiva como uma resposta de extrema importância. Esta é uma resposta que, ao contrário do que eu esperava, é activamente procurada por muitos indivíduos em situação de sem abrigo. Muitos utentes vêm ter connosco para saber, por exemplo, como está a tensão arterial ou se têm diabetes. No entanto, os cuidados de saúde constituem apenas uma fracção do conjunto de respostas que esta população precisa. Outras respostas, como o apoio psicológico e a orientação e articulação com outras organizações de apoio social são também extremamente importantes.
Quais as maiores carências e o trabalho que é preciso continuar a fazer?
Creio que as maiores carências relativas à parte médica são a nível da capacidade de acesso a estruturas de referência do Serviço Nacional de Saúde, nomeadamente no acesso a um médico de família, e também a nível da medicação. A medicação que temos à nossa disposição, apesar de variada, é em pouca quantidade e não nos permite tratar os utentes para além das queixas agudas que os fazem vir ter connosco.
O voluntariado é uma peça essencial do trabalho que a MdM desenvolve. Como tem sido esta experiência?
Até agora tem sido gratificante e ao mesmo tempo muito educativa. Em cada turno que faço com a Equipa Técnica de Rua sinto um acumular de conhecimentos e experiências que dificilmente conseguiria adquirir numa enfermaria ou serviço de urgência. Apesar de componentes integrantes dos cuidados de saúde de uma população, são realidades muito diferentes, e o trabalho 'no terreno' é muito importante no sentido em que nos dá outra visão da Medicina.
Alguma situação, em particular, que gostasse de partilhar?
O meu turno no Centro de Acolhimento Temporário de Refugiados foi das primeiras experiências que vivenciei com os Médicos do Mundo. Foi uma tarde caótica, mas uma excelente introdução ao trabalho com os MdM. Vi uma família de refugiados de um país do Médio Oriente acabada de chegar. A mãe estava grávida e há mais de um mês que tinha perdas sanguíneas vaginais, o pai com valores descontrolados de tensão arterial. Felizmente as duas crianças estavam, a meu ver, saudáveis. Sendo a minha primeira vez a providenciar cuidados médicos a uma família de refugiados, deparei-me com uma barreira linguística e cultural muito difícil de contornar. Pela primeira vez senti-me impotente por apenas conseguir entender fragmentos das queixas e problemas dos utentes, já que mais de 50% da informação era perdida na tradução. Acho que nestas circunstâncias é importante ficarmos contentes com aquilo que conseguimos atingir e não frustrados com o que ficou por resolver.