A COVID-19 É UMA CRISE DE SAÚDE FÍSICA. Mas, a globalização também tem aspectos negativos e tornou a pandemia num fenómeno com enorme impacto ao nível da saúde mental e do bem-estar percebido da sociedade.
NAÇÕES UNIDAS (UN) E ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE (OMS), a 13 de Maio de 2020, assumem, estrategicamente e de forma inequívoca, que o desinvestimento feito na saúde mental, na fase prévia à pandemia está (e virá) a trazer problemas graves de em diversas áreas de vida (Policy Brief: COVID-19 and the Need for Action on Mental Health). A maior parte dos países direcciona, apenas, 2% do seu orçamento da saúde, para a saúde mental. Numa situação de emergência, esta ausência de robustecimento psico-social das comunidades fica afectado, condicionando, tanto a fase de recuperação, como a de desenvolvimento.
UN complementa a definição da OMS no que concerne à saúde mental, sublinhando que “é um estado mental de bem-estar, em que as pessoas lidam bem com muitos factores stressantes da vida, podem colocar à prova o seu potencial, funcionando de modo produtivo e fértil, encontrando-se preparadas para contribuírem para as suas comunidades.” (UN. 13 May. 2020). Este posicionamento global, na fase do ciclo de gestão da emergência em que nos encontramos, reflecte uma efectiva avaliação do impacto que saúde mental e física têm uma na outra.
As questões de natureza económica que a pandemia exponenciou em todo o mundo, trazem à evidência, fragilidades psicossociais que estavam camufladas.
Muito trabalho de promoção de saúde mental e bem-estar psicossocial tem sido assegurado por organizações não governamentais, baseado nos recursos comunitários – o que é positivo: uma vez que trabalha o envolvimento da sociedade na resolução do problema, disponibiliza a todos os que são pro-activos, alguma percepção de controlo sobre o futuro e a sua vida. Pode afirmar-se que se trata de uma estratégia adaptativa perante medo, stress, ansiedade, híper-vigilância, angústia – e todos os outros “sinais e sintomas que se podem experienciar de modo normal, por pessoas normais, que estão a viver, um incidente crítico anormal”. (Brito, B. 2016)
A saúde mental é um valor intrínseco àquilo que nos torna humanos – condiciona a forma como interagimos, nos conectamos aos outros, aprendemos, trabalhamos, experimentamos sofrimento e felicidade. A importância da intervenção psicossocial advém da capacidade de integrar todas estas vertentes, trabalhando-as de modo adaptativo, considerando o prisma e as competências individuais, mas respeitando a comunidade onde as pessoas estão integradas, com as suas tradições, cultura, normas e valores sociais. Vectores importantes na recuperação económica global das sociedades.
A UN aponta como factor crítico para a sustentação das fases de preparação-resposta-recuperação à COVID-19, o facto de muitos trabalhadores de primeira linha terem estado (e estão!) expostos a numerosos factores stressores e serem frágeis as respostas existentes para assegurar a saúde mental dos trabalhadores que se encontram na primeira linha de resposta à pandemia. É assumido que pode não existir resposta ao nível da saúde mental, para disponibilizar suporte àqueles que, na fase crítica, deram a sua vida, em prol do salvamento de muitos outros. Esta constatação preocupa e suscita as três linhas de acção propostas pela UN, de modo a que todos os países caminhem no sentido da minimização do impacto da pandemia, na saúde mental:
1) apelar a toda a sociedade uma aproximação à promoção, protecção e cuidado da saúde mental.
2) assegurar a disseminação e disponibilidade de respostas de emergência de saúde mental e de apoio psico-social.
3) apoiar a recuperação da COVID-19, através da estruturação de serviços de saúde mental para o futuro. (“Policy Brief: COVID-19 and the Need for Action on Mental Health”. 13 May 2020)
As crises são oportunidades de crescimento pós-traumático ou, simplesmente, de evolução dos sistemas de funcionamento comunitário. Quando afectam vidas das pessoas e sociedades, são expectáveis elevados níveis de stress. Muitas pessoas que lidavam bem com factores indutores de stress, neste momento, sentem-se menos capacitadas para enfrentar os inúmeros agentes stressores potenciados pela pandemia. O medo que as pessoas referem pela eventualidade de serem infectadas, morrerem, ou perderem os seus familiares, são sinais que se mantêm; juntando-se, agora, receio do desemprego, ou do próprio impacto que teve o auto-confinamento (no que respeita às relações inter-pessoais, manifestações de afecto, ou ao “simples estar em comunidade” de forma segura).
Importa referir a maior fragilidade em que se encontraram, durante os dias passados, mulheres, crianças, idosos ou cidadão psicossocialmente vulneráveis, dado que ficaram mais isolados, entregues à sua situação de abuso, negligência ou consumos aditivos. O suicídio e o recurso abusivo de substâncias psico-activas como estratégias de coping desadaptativas, devem ser números a contar para a mortalidade associada à COVID-19, visto que promovem co-morbilidades, que tiveram a sua origem na desigualdade social e de acesso aos cuidados de saúde, no desemprego, na perda de entes queridos e, como tal, processos de luto complexos e difíceis de concluir. (UN. 13 May 2020)
Com menos pessoas saudáveis, a produção das empresas é menor; é um maior impacto económico em baixas médicas, absentismo ou presentismo – ficando patente como é que a pandemia tem influência na tipologia de “comunidade doente”: por se tornar pouco empreendedora nas respostas que têm de ser criativas e com capacidade de enfrentamento dos desafios.
Como é habitual em qualquer crise ou catástrofe, os países com menos possibilidades económicas, necessitarão de mais tempo para recuperar, além de terem de ser apoiados por fundos próprios que promovam o desenvolvimento de intervenções baseadas nos recursos comunitários, pois, além de ser uma estratégia que promove resiliência comunitária, potência a auto-eficácia e auto-determinação individuais, e do colectivo.
Nos momentos de emergência, a vulnerabilidade dos públicos estratégicos, agudiza-se. As crianças ficam mais expostas aos actos de negligência e abuso; as mulheres (maioritariamente) mais acessíveis aos agressores e com menos espaço para pedir ajuda; e os idosos são alvo fácil de abandono e desinvestimento social em prol da autonomização que durante tanto tempo se quis promover. Todas estas são razões suficientemente estigmatizantes que constam no mote “distanciamento social” (sendo que há várias semanas a OMS solicitou retirada de materiais com este slogan).
Ao associarmos “distanciamento” + “social” promovemos desumanização, ausência de solidariedade social e de falta de dignidade humana; porém, tanto ao nível da saúde física, como mental, o que é necessário é o cumprimento do distanciamento físico, com mais solidariedade social.