É Médica Interna de Saúde Pública e faz parte da Médicos do Mundo há alguns anos, apoiando nos projectos em Lisboa. Depois do ciclone Idai, Ana Pinto de Oliveira aceitou o desafio de integrar a segunda equipa de ajuda humanitária da organização e partiu para a Beira, Moçambique, onde ficou um mês. Presenciou a primeira visita exploratória, um mês após a catástrofe, e relembra toda a ajuda que ainda estava por chegar. Acredita que a capacitação é o melhor que podemos deixar no terreno e traz consigo a sensação de dever cumprido.
Quando cheguei ao terreno, a fase de emergência já tinha terminado. As pessoas que estavam a ser atendidas no hospital de campanha, precisavam da nossa ajuda, não só pelas consequências do ciclone Idai mas também pelas necessidades que já tinham antes da catástrofe. Percebi que precisávamos de “sair” do hospital de campanha e ter contacto com as comunidades que nos rodeavam, uma vez que os relatos de profissionais do Centro de Saúde Macurungo me orientavam nesse sentido.
Que apoios estão a ser dados no Hospital de Campanha e no Centro de Saúde de Macurungo?
O hospital de campanha está apoiar a Maternidade e o Centro de Saúde de Macurungo, que foram seriamente afectados pelo ciclone. No hospital de campanha são prestados cuidados de saúde primários, apoio à maternidade e capacitação dos profissionais de saúde, sendo esta a mais valia que podemos deixar no terreno. Não nos vamos manter lá eternamente, mas podemos fazer a diferença deixando-os preparados tecnicamente para dar continuidade ao trabalho iniciado.
Disseste que o Centro de Saúde de Macurungo foi seriamente afectado pelo ciclone Idai. Qual é o estado dessa Infraestrutura de Saúde e quais as necessidades mais urgentes?
O Centro de Saúde foi fortemente afetado pelo ciclone Idai a nível estrutural. Grande parte do telhado desapareceu. As condições sanitárias são quase inexistentes. O número de profissionais de saúde é reduzido e os anos de formação são bastante inferiores aos praticados, por exemplo, em Portugal. Precisamos de continuar as actividades de capacitação das equipas e a prestação de cuidados de saúde.
Quais as formações dadas aos profissionais do Centro de Saúde de Macurungo?
A Médicos do Mundo já deu formação sobre diabetes, medição de glicémia e ensinámos a utilizar o ecógrafo, o que é bastante útil atendendo à taxa de Natalidade. Ultimamente têm sido dadas outras formação como por exemplo sobre infecções urinárias e infecções sexualmente transmissíveis.
A Operação Embondeiro está sediada no Hospital de Campanha em Macurungo mas a MdM decidiu iniciar visitas exploratórias a outros territórios. Quais foram os locais visitados e que necessidades é que foram identificadas?
Saímos para o bairro de Macurungo, que apresenta péssimas condições higieno sanitárias. Onde as crianças brincam no e com o lixo embrulhado em lama, onde há mulheres que vendem peixe coberto de moscas, onde há crianças órfãs a viver sozinhas...
Também visitei uma das zonas mais afectadas pelo ciclone - Guara-Guara e Buzi -, onde o Hospital foi gravemente afectado, inclusive toda a área cirúrgica “tinha desaparecido”. Lá, as necessidades eram inúmeras.
Nessas áreas, ainda há pessoas isoladas fora de Macurungo, sem acesso a cuidados de saúde?
Sim, até à minha visita a Buzi, várias pessoas relataram que ainda não tinham recebido qualquer ajuda. Também existem populações isoladas que necessitam de cuidados de saúde desde a passagem do ciclone no Parque da Gorongoza.
O que é que está a acontecer agora no terreno? Quais são os próximos passos?
Foram avaliadas as necessidades e a MdM está a trabalhar em Projetos para ajudar estas populações de uma forma coordenada e a longo termo.
Passado quase 1 mês entre a chegada e a partida, quais as diferenças na realidade que a Operação tem deixado no terreno?
A capacitação, a partilha de experiências, conhecimentos e meios que permitem a melhoria dos cuidados de saúde à população local.
Quais são os principais desafios que se enfrentam no terreno?
Poderia falar sobre as horas que passámos a trabalhar em tendas sob um calor intenso, o não ter acesso a uma casa de banho com as condições a que estamos habituados ou mesmo o almoço ser um enlatado ou uma ração de combate. Mas lidar com a medicação a prescrever é mesmo o principal desafio. Muitas vezes não podemos prescrever um medicamento por não ter uma continuidade assegurada após a nossa partida... O que para os portugueses é quase gratuito, para aquela população não o é. Eles simplesmente não têm acesso!
