Para as ONG signatárias, os Estados- membros das Nações Unidas “devem impedir novas atrocidades e garantir que os responsáveis por quaisquer violações do direito internacional, incluindo crimes de guerra e crimes contra a humanidade, sejam responsabilizados”.
Leia abaixo o apelo na íntegra.
Apelo a um cessar-fogo em Gaza, Líbano e Israel e ao fim da impunidade no contexto do agravamento da catástrofe humanitária e da escalada do conflito regional
Nós, as organizações abaixo assinadas, apelamos a todos os Estados-membros das Nações Unidas que garantam um cessar-fogo imediato em Gaza, no Líbano, em Israel e na região, para acabar com a impunidade que tem permitido que as atrocidades cometidas pelas forças israelitas contra civis continuem e se agravem. Sem responsabilização, não haverá limites nem um fim à vista para a situação.
A guerra de Israel em Gaza, na sequência dos ataques mortíferos de grupos armados palestinianos em 7 de outubro de 2023, é a mais recente e terrível investida de violência nas décadas de ocupação israelita do território palestiniano. Após um ano de mortes e destruição incompreensíveis, os padrões de danos a civis causados pelas forças israelitas estão a aumentar e a alastrar de Gaza para o Líbano, enquanto prosseguem os ataques com foguetes no Líbano por grupos armados. Estamos agora à beira de uma devastação ainda maior em toda a região.
Não atuar agora é uma escolha - uma escolha que não conseguirá travar e prevenir futuras atrocidades. A Comissão de Inquérito das Nações Unidas concluiu na semana passada que Israel cometeu crimes de guerra e o crime contra a humanidade de extermínio com ataques implacáveis e deliberados aos profissionais médicos e às infraestruturas em Gaza, apelando aos Estados-Membros para que “deixem de ajudar ou dar assistência à prática de violações”.
Nos últimos 12 meses, o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou quatro resoluções sobre Gaza, incluindo uma que apela a um cessar-fogo, e o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) ordenou a Israel que tomasse todas as medidas ao seu alcance para impedir a prática de quaisquer atos abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo II da Convenção sobre o Genocídio. O TIJ emitiu igualmente um parecer consultivo que concluiu que a ocupação1 e a anexação do território palestiniano por Israel são ilegais e a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou uma resolução que exige que Israel ponha termo à sua presença ilegal nos Territórios Palestinianos Ocupados (TPO), no prazo de 12 meses. Contudo, nenhuma destas medidas foi aplicada ou cumprida.
O flagrante desrespeito da comunidade internacional pelo direito internacional e a incontrolável impunidade do Governo de Israel em Gaza, na Cisjordânia e, agora, no Líbano, criaram novos e perigosos precedentes para o decurso da guerra.
Para os civis nos TPO, no Líbano e em Israel, esta situação traduziu-se em:
- As ações militares israelitas mataram mais de 43.000 palestinianos nos TPO e mais de 2.000 pessoas no Líbano.
- As forças israelitas emitiram ordens de deslocamento que abrangem mais de 84% do território de Gaza e, atualmente, 25% do território do Líbano. Estas ordens, combinadas com os bombardeamentos israelitas, provocaram o deslocamento forçado de cerca de 90% da população de Gaza e de mais de 800.000 pessoas no Líbano.
- Estima-se que 400.000 palestinianos se encontram sob cerco e bombardeamento incessante no norte de Gaza, sem acesso a alimentos, água, combustível ou cuidados médicos. (UNRWA)
- O assassinato de mais de 300 trabalhadores humanitários palestinianos e internacionais e de mais de 1.000 profissionais de saúde em Gaza e 95 no Líbano. As forças de manutenção da paz da ONU no Líbano estão também a ser atacadas pelas forças israelitas (UNIFIL). Os ataques militares israelitas a hospitais, clínicas e ambulâncias dizimaram o sistema de saúde em Gaza e estão a destruí-lo no Líbano, deixando milhões de pessoas sem acesso a cuidados de saúde.
- Inúmeras crianças e adultos estão a morrer de subnutrição e correm o risco de morrer de fome, devido ao cerco imposto pelo governo israelita a Gaza, que inclui a obstrução sistemática da ajuda humanitária e dos serviços essenciais. (IPC)
- A morte de quase 1.200 pessoas em Israel durante os ataques liderados pelo grupo armado palestiniano em 7 de outubro de 2023 (OCHA).
- Os foguetes disparados pelos grupos armados palestinianos e libaneses mataram e feriram dezenas de pessoas (Amnistia Internacional) e provocaram o deslocamento de mais de 140.000 israelitas.
- 101 reféns continuam detidos por grupos armados palestinianos e milhares de palestinianos encontram-se ilegalmente detidos pelas forças israelitas em centros de detenção, incluindo crianças, muitos dos quais com paradeiro desconhecido ou estão efetivamente desaparecidos.
Muitos de nós apelaram repetidamente a um cessar-fogo permanente e incondicional, à libertação dos reféns, à suspensão das transferências de armas e ao desanuviamento das tensões na região e, no entanto, a violência parece estar apenas a intensificar-se. Mais uma vez, apelamos a todos os Chefes de Estado e de Governo, ao Conselho de Segurança das Nações Unidas e aos intervenientes no terreno para que deem prioridade à preservação da vida humana acima de tudo:
• Assegurando um cessar-fogo imediato por todas as partes em conflito e o fim dos ataques indiscriminados que matam civis e destroem infraestruturas civis;
• Colocando termo à transferência de armas, peças e munições para as partes em conflito, que possam ser utilizadas para cometer violações do direito internacional humanitário (DIH);
• Permitindo o acesso humanitário sem entraves para a prestação de assistência vital, incluindo alimentos, material médico e combustível, e a circulação segura de civis e trabalhadores humanitários.
• Garantindo a proteção dos civis contra novos deslocamentos forçados e o direito de regresso das pessoas deslocadas à força. Os civis que optam por ficar ou que não podem sair permanecem protegidos pelo direito internacional.
• Garantindo a libertação de todos os reféns e detidos.
• Promovendo de imediato investigações internacionais independentes sobre todas as aparentes violações do direito internacional humanitário e crimes de guerra cometidos por todas as partes.
Os governos devem fazer tudo o que estiver ao seu alcance para pôr termo a esta catástrofe crescente e ao ciclo de impunidade. Não se trata apenas de um imperativo moral, mas de uma obrigação jurídica. Todos os Estados-Membros devem impedir novas atrocidades e garantir que os responsáveis por quaisquer violações do direito internacional, incluindo crimes de guerra e crimes contra a humanidade, sejam responsabilizados. Se não se atuar agora, corre-se o risco de se deixar corroer ainda mais as normas internacionais e de se encorajar os perpetradores. O ciclo de violência contra civis precisa de parar.
1 Para mais informações sobre o que refere o Direito Internacional Humanitário sobre a ocupação, ver o comentário do CICV.