Médicos do Mundo

Durante a infância, as crianças podem ficar tristes. Ou será que estão deprimidas? O atraso no diagnóstico da depressão infantil deve-se, em muitos casos, à idealização parental sobre a infância, associando-a à felicidade plena. Mas a depressão não é só uma doença de adultos.

A depressão infantil designa um distúrbio de humor que ultrapassa a tristeza temporária da criança e que se pode mostrar incapacitante a nível psicológico, emocional e social, com efeitos pessoais e escolares. Trata-se de uma perturbação que pode incluir factores sociais, psicológicos e/ ou biológicos, como a disfunção dos neurotransmissores (associada à genética) ou falhas em áreas específicas do cérebro.

“A criança constrói o seu mundo a partir do seu desenvolvimento afectivo, que ocorre na inter-relação com as demais pessoas do seu convívio. Assim, aos poucos, a criança vai construindo as suas noções de eu, realidade, espaço e tempo, que são os pilares da existência.” (Fernandes & Milani, 2010)

A família é o primeiro agente construtivo do mundo da criança. Como tal, se houver histórico familiar de depressão, é maior a probabilidade da criança desenvolver a patologia. Mas existem outros factores que influenciam o desenvolvimento da depressão infantil:

- Traumas associados a violência física da criança;

- Negligência parental (privação de necessidades relacionadas com o desenvolvimento natural da criança – alimentação, vestuário, segurança, estudos, etc.);

- Violência psicológica (no seio da família ou escola);

- Violência Sexual;

- Divórcio/Separação dos pais ou de outros familiares muito próximos;

- Perda de um familiar ou pessoa próxima da criança;

- Pressão exercida por educadores (família e professores) para que a criança seja boa aluna; e

- Falta de atenção, tempo e carinho por parte dos pais.

Estes factores não são exclusivos.

Quais os principais sinais e sintomas?

É aceitável que a criança possa estar triste, apática ou isolada em certos momentos da sua vida. Contudo, se esses e outros sintomas se prolongarem no tempo, podem ser considerados representativos de um quadro depressivo.

Até aos seis anos, as manifestações mais comuns da depressão infantil verificam-se nos sintomas físicos, como as dores de cabeça, tonturas, dores abdominais e fadiga. Segundo Bahls (2002), os sintomas mencionados podem ser acompanhados por choro frequente, movimentos repetidos, agressividade, dificuldades na articulação verbal ou perda de interesse em actividades lúdicas.

Dos seis aos 12 anos, a depressão infantil pode demonstrar-se através do choro, da falta de energia, de fobias e medos injustificados, inadaptação à escola e aos colegas, dificuldades de concentração ou até mesmo ideias de suicídio.

Na adolescência, a depressão infantil assemelha-se à depressão em idade adulta, sendo que o jovem demonstra comportamentos agressivos, humor deprimido, falta de objectivos de vida e pouco interesse escolar.

A par dos sintomas identificados, os pais e outros cuidadores devem prestar especial atenção à capacidade de inter-relação da criança com o seu meio social, neste caso, com os colegas da escola. A falta de amigos e a incapacidade de se concentrar na escola, devem ser acompanhados com especial atenção, uma vez que o prolongamento do isolamento pode ter consequências para a sociabilidade, confiança e auto-estima da criança.

A questão temporal é importante para o processo de diagnóstico clínico da depressão infantil, uma vez que os sintomas não devem ser considerados de forma isolada, mas sim integrada e analisada de acordo com a durabilidade dos episódios.

“A variação do humor só tem relevância enquanto parte de um certo conjunto de sintomas, se assim não for, ela pode estar relacionada com outros estados psíquicos ou físicos, sem relação directa com a depressão.” (Cole & Turner, Jr., 1993 in Magalhães, 2012)

Muitas manifestações podem estar associadas ao normal desenvolvimento das crianças e por isso cada caso deve ser considerado tendo em conta diversos sinais e sintomas que se podem dividir em quatro grandes grupos:

Problemas ao nível do pensamento:

- Dificuldades de concentração; sentimento de exclusão; sensação de inutilidade; sentimento de culpa.

Problemas emocionais:

- Expressam-se por comportamentos de irritabilidade; falta de interesse nas actividades quotidianas; falta de expressão/ indiferença.

Mudanças comportamentais:

- Falta de energia; agitação excessiva; falta de sono; pesadelos; excesso ou perda de apetite;  perturbação no controlo das esfíncteres; agressividade.

Queixas somáticas: dores de cabeça, abdominais e outras dores sem causa física.

Perturbações alimentares: perda de apetite ou aumento exagerado do mesmo.

Para além dos sinais apontados, existem outros que devem ser tomados em consideração, nomeadamente a insegurança e a autodepreciação demonstradas pela criança em expressões como “Eu não consigo”; “Eu não sou assim tão bom”; ou “Ninguém gosta de mim”.

“É de salientar, contudo, que uma criança pode estar triste, sem que isso signifique que ela esteja deprimida. A tristeza é normal. O que é preocupante é quando a criança não consegue pensar no seu sofrimento, o que provoca um bloqueio afectivo e intelectual que a impede de crescer” – Dra. Luísa Gomes Caires, Psicóloga Clínica.

 

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