Por Celeste Lopes Gonçalves
Vice-presidente da Direção da Médicos do Mundo
Hoje vamos falar de Cobertura Universal de Saúde (CUS), o que significa que todas as pessoas tenham acesso aos serviços de saúde de que precisam, quando e onde precisam, sem impedimentos financeiros.
Na realidade, o Dia Internacional da Cobertura Universal de Saúde foi aprovado em 12 dezembro de 2017 e é celebrado pela segunda vez em 2019. António Guterres, enquanto secretário-geral da ONU pede, então, investimento imediato de todos os países do mundo, na CUS, referindo ser inaceitável que metade da população mundial ainda não tenha acesso a esses serviços.
Em 23 de setembro de 2019, a Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque, conseguiu fazer aprovar, pelos líderes mundiais, uma Declaração Política de Alto Nível sobre CUS. Foi o acordo mais abrangente já alguma vez alcançado sobre saúde, tendo os Estados-membros assumido o compromisso de avançar até 2030 para a CUS.
Este compromisso inclui várias áreas de ação: mecanismos para evitar dificuldades financeiras causadas por problemas de saúde; intervenções de grande impacto para combater doenças; e um maior investimento na proteção da saúde das mulheres e crianças. A CUS é assim um dos objetivos de Desenvolvimento Sustentável na Agenda 2030.
Os factos que levaram a estes compromissos mundiais são gritantes (ONU, abril de 2021):
• Pelo menos, metade da população mundial ainda não beneficia de cobertura integral dos serviços de saúde essenciais.
• Há cerca de 100 milhões de pessoas que ainda vivem em situações de pobreza extrema, porque têm de pagar pelos serviços de saúde.
• Mais de 800 milhões de pessoas (quase 12% da população mundial) gastam, pelo menos, 10% dos seus orçamentos familiares em cuidados de saúde.
A questão que se coloca é como podem os países progredir no sentido de alcançarem a CUS?
É um caminho que exige o reforço dos sistemas de saúde em todos os países. Os investimentos em cuidados de saúde primários de qualidade são a base para se atingir uma cobertura universal, sendo a forma mais eficaz de garantir o acesso a cuidados essenciais de saúde. É também necessário uma boa governação, sistemas robustos no fornecimento de medicamentos e tecnologias de saúde, assim como sistemas de informação em saúde eficazes.
Mas falar de CUS, não é apenas falar de sistemas de saúde. É também atuar nos determinantes que se relacionam com esta questão como a equidade, prioridades de desenvolvimento, inclusão e coesão social.
Porquê a importância dos Cuidados de Saúde Primários (CSP)?
Os CSP são uma abordagem à saúde e bem-estar centrada nas necessidades e circunstâncias de indivíduos, famílias e comunidades. Os CSP garantem que as pessoas recebem cuidados completos, desde a promoção e prevenção, até ao tratamento, reabilitação e cuidados paliativos, tão próximo quanto possível do seu ambiente quotidiano.
Qual a situação em Portugal?
Portugal lidera na Cobertura Universal de Saúde entre países lusófonos, segundo um relatório global da ONU e do Banco Mundial, de 2017. Este documento revela ainda que cerca de 80% dos portugueses têm acesso a serviços básicos de saúde. Por outro lado, os CSP em Portugal são universais. A reforma dos CSP (2005) foi moderna e inovadora: orientada para os utentes e para a comunidade, pequenas unidades multiprofissionais organizadas por listas de utentes (Unidades de Saúde Familiar), pequenas áreas geográficas (Unidade de Saúde Comunitária) e comunidade no seu conjunto (Unidades de Saúde Pública).
Combinam-se várias abordagens: a mais personalizada privilegia a liberdade de escolha do médico; as outras permitem melhor conhecimento e intervenção no terreno, reduzindo desigualdades e indo ao encontro dos mais vulneráveis. A grande questão que se coloca é, nalguns casos, o problema da acessibilidade pelos utentes, dependendo da evolução do modelo organizacional implementado localmente.
No entanto, a realidade de hoje é de que, em Portugal, a pandemia acentuou desigualdades na saúde, educação e no trabalho, de acordo com o relatório “Portugal, Balanço Social 2020- um retrato do País e os efeitos da pandemia”, investigação do Nova SBE e da Fundação la Caixa /BPI. É referido que “a pandemia afetou particularmente a saúde mental dos mais pobres, dos menos escolarizados e dos desempregados, sendo os grupos mais afetados os jovens e as mulheres. De acordo com os investigadores, em 2019, Portugal continuava acima da média da União Europeia, no respeitante aos indicadores de pobreza ou exclusão social (21,6%), risco de pobreza (17,2%) e privação material (5,6%).
Vivemos, por isso, um momento particular de aumento de pessoas marginalizadas, mais vulneráveis e com mais necessidades de saúde. A Médicos do Mundo continua a contribuir para uma melhor CUS, prestando cuidados de saúde às populações marginalizadas, fragilizadas e excluídas, um pouco por todo o país.
Estamos cientes que não chegamos a toda esta população e que é necessário um maior investimento público e de outras organizações sociais, trabalhando em rede e de uma forma integrada e complementar, agora mais do que nunca!
Referências:
Biscaia A, Martins J, Carreira M, Fronteira I, Antunes A, Ferrinho P. Cuidados de Saúde Primários em
Portugal - Reformar para Novos Sucessos 2a ed. Lisboa: Padrões Culturais Editora; 2006.
https://news.un.org/pt/story/2020/12/1735902
https://www.who.int/eportuguese/publications/pt/
https://www.who.int/eportuguese/publications/pt/
https://www.sns.gov.pt/noticias/2019/12/13/cobertura-universal-de-saude-2/
Universal Health Coverage, WHO, 2021