A Médicos do Mundo está a contestar o monopólio da Pfizer/BionTech sobre a vacina COVID-19 no Instituto Europeu de Patentes. A contestação tem por base o facto de a farmacêutica ter apresentado registos de patente que não demonstram uma clara actividade inventiva, aplicando apenas conhecimento já existente anteriormente.
A Médicos do Mundo (MdM) está a contestar o monopólio da Pfizer/BionTech sobre a vacina COVID-19, com a apresentação de duas observações de terceiros no Instituto Europeu de Patentes (IEP). Esta acção faz parte do compromisso da MdM em promover um maior acesso às vacinas COVID-19 e travar o abuso das patentes médicas, com o propósito de gerar lucros mais elevados.
Ambas as observações assinalam que os registos de patente apresentados pela BionTech não demonstram clara actividade inventiva, um dos critérios de patenteabilidade exigidos. De facto, a BionTech apenas aplicou o conhecimento do estado da arte das áreas técnicas das vacinas de mRNA e vacinação contra o coronavírus a um novo vírus, o SARS-CoV-2. Um conhecimento que foi produzido graças ao trabalho de investigadores académicos. Ou seja, foram necessárias apenas algumas semanas para que a Pfizer/BionTech produzisse a sua vacina - que representa actualmente 70% do mercado -, porque o conhecimento já existia.
Apesar das vacinas terem sido consideradas ferramentas essenciais na “guerra” contra a pandemia da COVID-19, os governos acordaram conceder direitos de monopólio a estas ferramentas essenciais. Como consequência, apenas algumas companhias farmacêuticas controlam a produção e a comercialização destas tecnologias e um elevado número de pessoas em todo o mundo são excluídas do acesso às mesmas. Dois anos depois do início da pandemia, apenas 11% das pessoas que vivem em países de renda baixa receberam uma primeira dose da vacina, quando essa percentagem é de 75% nos países de renda elevada, sendo que 44% destes receberam mesmo uma dose de reforço.
Investiram-se milhares de milhões de euros em saúde, mas a política do “tudo o que for necessário”, adoptada pelos governos face às multinacionais farmacêuticas, revela ter um custo importante para toda a sociedade.
Como é frequente com produtos farmacêuticos, o público paga duas vezes pela investigação e desenvolvimento (I&D): primeiro, durante a investigação, dos cerca de 5,63 mil milhões de dólares (5,09 mil milhões de euros) investidos na I&D da vacina COVID-19, mais de quatro mil milhões de dólares (3,6 mil milhões de euros) ficaram nas mãos de cinco companhias farmacêuticas privadas; depois, mais tarde, através das patentes e da aquisição e reembolso, o sector público investiu mais de 51,1 mil milhões de dólares (46,2 mil milhões de euros) em acordos de aquisição antecipados. Agora, a Pfizer/BionTech controla 70% do mercado europeu das vacinas COVID-19, com uma previsão de receitas globais de 17 mil milhões de dólares (15,37 mil milhões de euros) em 2022.
Ao pagar 20 vezes mais o preço de uma dose de vacina da Pfizer/BionTech, os governos escolhem transferir vários milhares de milhões de euros para companhias privadas, enquanto paradoxalmente os nossos sistemas de saúde desmoronam-se e a vacinação global continua a ser um desafio.
A única diferença é que desta vez aconteceu a uma enorme escala, o que explica os elevados lucros alcançados por um conjunto limitado de companhias farmacêuticas - a Pfizer mais que duplicou os seus resultados líquidos e alcançou mais de 22 mil milhões de dólares (19,9 mil milhões de euros) no ano passado.
Para assegurar uma resposta às necessidades globais de vacinas e evitar colocar apenas alguns produtores em situação de monopólio, os Estados deviam ter tomado, e ainda o podem fazer, várias medidas. Primeiro, as entidades reguladoras das patentes podem evitar conceder patentes duvidosas e indevidas, incluindo as duas patentes contestadas pela MdM. Segundo, os Estados-membros da Organização Mundial do Comércio deveriam conceder uma dispensa da protecção da propriedade intelectual de todas as tecnologias anti-COVID, tal como solicitado há mais de um ano por larga maioria dos países. Por fim, muitos países podem conceder licenças obrigatórias para permitir que outros produtores fabriquem e utilizem vacinas a um preço justo.
No caso da vacina COVID-19, acordar o pagamento de 20 euros por dose pode parecer aceitável, mas, considerando o investimento público em I&D e produção, assim como o facto do custo de produção de uma dose estar entre um e 2,5 euros, é problemático e representa uma carga pesada para os orçamentos nacionais. Milhões de euros podiam ter sido poupados e redireccionados aos nossos sistemas públicos de saúde.
Foto: Médicos do Mundo