Sami Kmaca é um dos muitos jovens pertencentes a esta minoria que tiveram de fugir do seu país. Saiu do Iraque há três anos, quando tinha então apenas 17, e na memória guarda um passado de guerra e de violência. Para trás, no país de origem, ficaram os pais e seis irmãos, com quem mantém contacto. Em Portugal há cerca de um ano, para onde veio integrado no contingente yazidi, trabalha numa frutaria de Lisboa. Antes, e durante dois anos, esteve na Grécia, num campo de refugiados.
A Rede Internacional da Médicos do Mundo tem apoiado os refugiados ao longo dos vários percursos e campos. Em Portugal, as equipas recebem-nos, triam e prestam cuidados básicos de saúde no Aeroporto de Lisboa, mais concretamente no CIT, e no Centro de Acolhimento Temporário para Refugiados.
No Verão de 2014, o auto-proclamado Estado Islâmico lançou uma ofensiva na Síria e no Iraque e ocupou uma grande parte do território iraquiano – chegou mesmo a dominar um terço do país -, colocando em causa a existência do próprio Estado. Muitos dos yazidi, uma minoria religiosa, perseguida na Síria e no Iraque por aquele grupo terrorista, tiveram de fugir. Muitos ainda têm um caminho por descobrir e encontram em Portugal um lugar de abrigo temporário.
Quando chegou ao nosso país, Sami ficou no Centro de Acolhimento Temporário para Refugiados (CATR), uma estrutura que nasceu de um protocolo celebrado entre o Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS) e a Câmara Municipal de Lisboa. “O JRS, além de preparar convenientemente as habitações para receber os refugiados condignamente, acompanha os mesmos durante o período de acolhimento e desenvolve as acções necessárias para, findo esse período, encaminhá-los para outras habitações de forma a libertar estas para novos processos de alojamento”, explica Nuno Jorge, Coordenador no JRS do Acolhimento a Refugiados.
Médicos do Mundo no Centro Acolhimento Temporário para Refugiados
A necessidade de garantir a prestação de cuidados de saúde no CATR verificou-se desde o primeiro dia. “Logo em 2016 se percebeu que era necessário um acompanhamento médico no CATR. O primeiro grupo que surgiu apresentou alguns problemas de saúde e nessa altura a parceria com a Médicos do Mundo (MdM) aconteceu. A resposta da MdM foi muito rápida”, recorda Nuno Jorge.
Desde Março de 2016 que a delegação portuguesa da Médicos do Mundo participa na prestação de cuidados de saúde no CATR, “um apoio de continuidade que assegura avaliação e acompanhamento médico sempre que cheguem novos refugiados ao CATR, até serem integrados no Serviço Nacional de Saúde, bem como apoio a nível medicamentoso posterior, em caso de necessidade”, refere Joana Tavares, directora de projectos Lisboa e Sul da MdM.
Sami Kmaca recebeu acompanhamento médico quando chegou a Portugal, em 2017, mas hoje realiza uma nova avaliação com a médica Ana Pinto de Oliveira, voluntária da MdM, e a enfermeira Joana Tavares. “O Sami esteve durante algum tempo na Alemanha, mas acabou por retornar a Portugal e hoje a ser está a ser alvo de uma reavaliação.”, explica a médica Ana Pinto de Oliveira.
Nesta consulta as queixas são, felizmente, inexistentes. Entre uma mistura de inglês e português, Sami acaba por contar à equipa da MdM que o seu objectivo é trabalhar como auxiliar na área da saúde, à semelhança do que já fazia antes de fugir do Iraque e enquanto concluía o 11º ano na área de línguas. Entre a saudade da família e a integração no país de acolhimento, o jovem demonstra-se motivado: está a aprender português nas aulas gratuitas proporcionadas pelo CATR e trabalha numa frutaria, onde diariamente o contacto com os clientes lhe permite “treinar” a língua.
Médicos do Mundo no Centro de Instalação Temporária do Aeroporto de Lisboa
A história de Sami é uma entre milhares. Fugir de um país, de um sistema abusivo, de um ambiente violento e procurar melhores condições de vida, recomeçar… e o Centro de Instalação Temporária do Aeroporto de Lisboa encerra tantas histórias semelhantes.
Jean-Pierre (nome fictício) dirige-se à sala de avaliações clínicas. Pela expressão que leva no rosto percebe-se que não sabe ao que vai. A médica Inês Santos Silva, voluntária da MdM, pede-lhe para se sentar e começa por perguntar o nome e a nacionalidade. Jean-Pierre não percebe e tenta comunicar na língua de origem. Descobrimos depois que é natural do Haiti, mas a barreira linguística mantém-se uma dificuldade ao longo da conversa. “A comunicação muitas vezes acontece através de gestos e temos que de pedir para escreverem o nome e a idade.”, sublinha.
Jean-Pierre está na sala onde, três vezes por semana, a equipa da Médicos do Mundo, constituída por um médico e enfermeiro, faz avaliações. “Estas pessoas podem aguardar até 60 dias por uma resposta ao seu pedido de asilo, por esse motivo estão num estado de grande ansiedade. Muitas delas nem percebem o que vêm fazer a este gabinete”, conta a enfermeira voluntária da MdM, Rosário Athayde.
Os cidadãos estrangeiros são recebidos no Centro de Instalação Temporária do Aeroporto de Lisboa, “de acordo com o estabelecido pela Lei de Estrangeiros e do Asilo, para efeitos de afastamento de território nacional ou no âmbito de uma recusa de entrada no país ou caso tenham apresentado um pedido de protecção internacional naquele posto de fronteira”, explica Ana Filipa Vieira, Inspectora Coordenadora do Espaço Equiparado a Centro de Instalação Temporária do Aeroporto de Lisboa.
Com capacidade para acolher 56 pessoas, também aqui se verificou a necessidade de garantir cuidados gratuitos de saúde. Foi assim que nasceu a parceria entre o SEF e a Médicos do Mundo.
As situações mais complexas em termos de saúde, segundo Inês Santos Silva, “prendem-se com hipertensões descontroladas que possam estar a causar consequências graves. Nessas situações encaminhamos para um hospital”.
No quadro do plano de recolocação, os pedidos de protecção internacional efectuados em território português (os chamados Pedidos Espontâneos) têm sido constantes: foram registados 872 pedidos em 2015, 706 pedidos em 2016 e 1.008 pedidos em 2017. Só em 2018 já foram efectuados 425 pedidos.