O cancro da próstata é o segundo carcinoma mais mortal entre os homens acima dos 50 anos, logo a seguir ao do pulmão. Para saber mais sobre o cancro da próstata, falámos com o Dr. Frederico Ferronha, médico urologista.
Médicos do Mundo (MdM): O cancro da próstata é uma das neoplasias mais comuns no sexo masculino a nível mundial e, em Portugal, segundo os dados do Globocan 2012, é a que regista maior incidência e a quarta causa de morte por cancro nos homens. Considerando estes dados, qual o impacto desta doença nos portugueses?
Dr. Frederico Ferronha (FF): O carcinoma da próstata é o tumor maligno mais frequentemente diagnosticado no homem com mais de 50 anos de idade, isto é, cerca de 25% de todos os tumores no homem. E, em termos de mortalidade nesta faixa etária, é a segunda causa oncológica a seguir ao pulmão e à frente de cancros como o do cólon e recto, estômago, pele, rim e bexiga. Na Europa são diagnosticados aproximadamente 650 mil novos casos anualmente. Nos Estados Unidos a incidência anual desta doença é de 180 mil doentes/ano e provoca a morte a cerca de 40 mil homens/ano, ou seja, é diagnosticado um caso de cancro da próstata a cada três minutos e a cada 15 morre um doente por causa desta neoplasia.
Na população masculina em geral, a incidência do carcinoma da próstata tem vindo a aumentar, sobretudo devido ao envelhecimento da população, mas também em virtude da generalização do doseamento sérico de PSA, que permitiu o diagnóstico mais frequente de doentes com carcinoma da próstata em fases iniciais e como tal potencialmente curável.
MdM: Existe alguma faixa etária em maior risco de desenvolver cancro da próstata? Esta é uma doença que surge em idades mais avançadas ou poderá afectar também os mais jovens?
FF: A maioria dos casos de cancro da próstata são de origem esporádica, ou seja, não são identificáveis causas hereditárias (história familiar de cancro da próstata). Apenas 15% dos casos são de origem familiar, em especial, se existirem dois ou mais familiares em 1º grau afectados.
Para além da história familiar, outros factores de risco aumentam a probabilidade de uma pessoa vir a desenvolver este tipo de cancro. Globalmente, os factores de risco mais comuns, para o cancro da próstata, são:
Idade: a idade é o factor de risco mais importante para o cancro da próstata. Esta doença é rara em homens com menos de 45 anos, embora a probabilidade aumente exponencialmente com o avanço da idade. A maioria dos homens com cancro da próstata tem mais de 60 anos.
Raça: o cancro da próstata é mais comum nos homens de raça negra, do que de raça branca (caucasiana), incluindo os homens brancos hispânicos. É menos comum entre os homens asiáticos e os índios americanos.
MdM: Para além da idade, que outros factores de risco estão associados a esta doença?
FF: Outros factores de risco foram associados ao cancro da próstata, mas até ao momento ainda não reuniram evidência científica suficiente para serem considerados como tal:
Dieta: alguns estudos sugerem que homens que fazem uma dieta rica em gordura animal, ou em carne, podem ter risco aumentado de ter cancro da próstata. Do mesmo modo, homens que façam uma dieta rica em frutos e vegetais podem apresentar um risco mais baixo.
MdM: Quais os sintomas associados ao cancro da próstata?
FF: Geralmente, as fases iniciais do cancro não causam sintomas, daí a importância do rastreio, pois se o doente estiver à espera de apresentar sintomas para consultar o seu médico, pode ser tarde de mais.
No entanto, também podem existir sintomas urinários, em especial se coexistir uma Hiperplasia Benigna da Próstata (tumor benigno), vulgarmente designada pelas iniciais HBP, tais como:
Incapacidade de urinar, ou dificuldade em iniciar ou parar o fluxo de urina;
Necessidade frequente de urinar, principalmente à noite;
Fluxo de urina fraco ou intermitente;
Dor ou ardor durante a micção;
Dificuldade em ter uma erecção;e
Sangue na urina ou no sémen.
Qualquer pessoa com estes sintomas deve consultar o seu médico de família ou urologista, para diagnosticar e tratar o problema, tão cedo quanto possível.
MdM: A abordagem diagnóstica ao cancro da próstata tem evoluído ao longo dos anos. Como é feito actualmente o diagnóstico desta neoplasia?
FF: O diagnóstico definitivo é sempre feito com recurso a biopsia prostática, que consiste na remoção de tecido prostático, para procurar células cancerígenas. Com o auxílio da ecografia trans-rectal é removida uma pequena quantidade de tecido de diversas zonas da próstata para posteriormente um anatomo-patologista analisar, ao microscópio, as amostras de próstata e detectar a existência ou não de células cancerígenas neste tecido. A biopsia é o único método seguro de diagnosticar o cancro da próstata.
MdM: Considerando que o cancro da próstata se instala muitas vezes sem sintomatologia associada, sobretudo numa fase inicial, faz sentido a realização de rastreio para esta doença?
FF: Antes de se desenvolverem quaisquer sintomas, pode ser feito um rastreio à população masculina. Quanto mais precocemente for feito o diagnóstico deste cancro mais probabilidade terá de cura. Portanto, o rastreio do cancro da próstata tem como objectivo a identificação dos homens com este carcinoma numa fase ainda inicial da doença, pois constitui o estadio mais favorável e com melhores resultados ao tratamento definitivo.
Em 2009 um estudo internacional veio finalmente demonstrar, o que a prática clínica já indiciava, que o rastreio deste cancro é claramente vantajoso, podendo reduzir pelo menos 20 a 33% das mortes causadas por este tumor.
MdM: Como é realizado o rastreio do cancro da próstata? Existem vantagens e desvantagens associadas ao rastreio?
FF: O rastreio consiste num exame rectal digital e numa análise laboratorial para o antigénio específico da próstata (PSA).
A vantagem é fazer o diagnóstico mais precocemente e, como tal, detectar o carcinoma numa fase mais inicial e menos agressiva e consequentemente ter uma taxa de cura mais elevada. A desvantagem é submeter mais homens a exames invasivos e, naqueles com biopsia positiva, ou seja, com carcinoma da próstata, estar a sobretratar também os tumores pouco agressivos e indolentes.
MdM: O cancro da próstata tem tratamento? Quais são esses tratamentos e qual a taxa de cura obtida?
FF: O tratamento do cancro da próstata pode envolver a cirurgia, radioterapia, terapêutica hormonal (hormonoterapia), quimioterapia ou apenas observação. Poderá fazer terapêuticas combinadas.
Em qualquer estadio da doença, a pessoa com cancro da próstata pode fazer medicação para tratar e controlar a dor e outros sintomas, para aliviar os efeitos secundários do tratamento e para atenuar quaisquer problemas emocionais. Estes tratamentos são designados por cuidados paliativos.
A cirurgia é um tratamento comum, nos estadios iniciais do cancro da próstata. É realizada por um urologista e consiste na remoção de toda a próstata, vesículas seminais e gânglios linfáticos regionais. Em alguns casos, pode ser utilizada uma cirurgia conservadora dos nervos, que permite manter os nervos que controlam a erecção.
Na radioterapia são utilizados raios de elevada energia para destruir as células cancerígenas. No cancro da próstata em estadio inicial, a radioterapia pode ser o tratamento primário, em vez da cirurgia; também pode ser usada após a cirurgia, para destruir quaisquer células cancerígenas que possam ter ficado na região tumoral. Em estadios avançados, a radioterapia pode ser utilizada com intuito paliativo, para ajudar a aliviar a dor.
No tratamento do cancro da próstata podem ser utilizados dois tipos de radioterapia: radiação externa ou interna.
Na externa, a radiação provém de uma máquina. Para este tratamento, a maioria das pessoas vai ao hospital ou clínica. Geralmente, os tratamentos são realizados durante 5 dias por semana, durante várias semanas.
Na interna (radiação por implante ou braquiterapia), a radiação provém de material radioactivo contido em sementes, que são colocadas directamente na próstata.
Alguns doentes precisam de fazer os dois tipos de radioterapia, externa e interna.
A terapêutica hormonal impede que as células cancerígenas "tenham acesso" às hormonas naturais do nosso organismo, das quais dependem para se desenvolverem. É uma terapêutica sistémica, tendo em conta que os fármacos entram na corrente sanguínea e circulam por todo o organismo. A terapêutica sistémica é usada para tratar tumores que tenham metastizado.
Existem várias formas de hormonoterapia: orquidectomia ou castração cirúrgica e castração médica.
A orquidectomia ou castração cirúrgica é uma operação, através da qual são removidos removem-se testículos, a principal fonte da hormona masculina testosterona.
A castração médica implica injecções e comprimidos que bloqueiam a acção da testosterona.
O cancro da próstata, metastizado noutras partes do corpo pode, geralmente, ser controlado com hormonoterapia, durante um determinado período de tempo. No entanto, a maioria dos tumores da próstata consegue tornar-se independente e resistente à falta de testosterona e, como tal, desenvolver-se com poucas ou nenhumas hormonas masculinas. Quando isto sucede, a hormonoterapia já não é eficaz, e o médico pode sugerir outras formas de tratamento, tal como a quimioterapia.
Quem opta pela observação é, no entanto, tratado quando surge sintomatologia ou quando os sintomas pioram. A observação pode ser aconselhada a pessoas mais velhas, que têm cancro da próstata e outros problemas graves de saúde.
MdM: É possível prevenir esta doença? De que forma?
FF: Actualmente não há prevenção cientificamente provada. Como tal, não se sugere nenhum tipo de prevenção, para além de uma dieta saudável e equilibrada que é comum aos conselhos de outras áreas da Medicina.
MdM: Que conselhos deixaria aos homens para que mantenham uma boa saúde da próstata?
FF: O cancro da próstata é um problema real de saúde na população masculina e, como tal, não deve ser ignorado, mas sim rastreado por todos os homens, no sentido do diagnóstico e tratamento precoce, pois só assim se consegue a cura e evitar o aumento da mortalidade por este cancro no mundo ocidental.