“- Tem animais de estimação?
- Tenho, mas agora não estão comigo. É que a toxoplasmose.”
Esta é uma resposta que não é única face à pergunta que é essencial na avaliação clínica inicial de uma mulher grávida, tendo particular interesse no que diz respeito à toxoplasmose. Esta é uma doença zoonótica* causada pelo parasita Toxoplasma gondii, que tem como hospedeiro definitivo o gato e outros felídeos. A infecção do gato ocorre principalmente pela ingestão de hospedeiros intermediários, como os roedores, que tenham por sua vez o parasita enquistado nos seus tecidos. Este conhecimento é importante, pois os gatos podem constituir um risco para o ser humano quando eles eliminam nas fezes o parasita na forma de oocisto. No entanto, este torna-se apenas infectante no meio ambiente ao fim de 1-5 dias. Além disso, a excreção de oocistos surge uma única vez na vida do gato, pois o animal adquire imunidade que previne disseminação futura.
A transmissão da infecção ao ser humano dá-se sobretudo pela ingestão de quistos viáveis na carne crua ou mal cozida de hospedeiros intermediários, como o porco, ou através da ingestão de oocistos infecciosos excretados nas fezes de gato e que estejam a contaminar água e frutas, vegetais e legumes que não foram bem lavados. A infecção de indivíduos imunocompetentes é geralmente assintomática, contudo, a infecção da mulher durante a gravidez associa-se ao risco de transmissão ao feto através da placenta, a qual pode resultar em infecção fetal e culminar em malformações fetais graves e mesmo em morte fetal. Porém, e assumindo um sistema imunitário competente, é de notar que a transmissão materno-fetal do parasita apenas ocorre quando a mulher grávida desenvolve infecção primária. Ainda, e apesar de existirem recém-nascidos infectados assintomáticos, as sequelas tardias podem surgir meses ou anos após o parto.
Na Europa, estudos demonstram que a prevalência da toxoplasmose humana está mais relacionada com a ingestão de carne crua ou mal passada, sendo encontrada pouca correlação entre a presença de gatos domésticos e a infecção do ser humano. Porém, dada a importância do gato nesta doença, torna-se importante saber a epidemiologia da toxoplasmose. A ausência de informação rigorosa e a não compreensão da doença, pode conduzir ao abandono animal que, para além de ser um acto cruel, constitui um risco para a saúde pública e é considerado crime à luz da actual legislação. Também, a não compreensão da doença pode estar associada a comportamentos que coloquem em risco a mulher grávida para a aquisição da infecção, a qual pode ser desastrosa e culminar em aborto.
O conhecimento do estado imunitário da mulher antes da concepção permite uma informação adequada sobre quais os cuidados que devem ser adoptados durante a gravidez. Em Portugal, na vigilância da gravidez de baixo risco, e de acordo com a norma da Direcção Geral de Saúde, as mulheres com imunidade documentada em consulta pré-concepcional ou gravidez anterior, não necessitam de repetir o rastreio da toxoplasmose durante a gravidez. Contudo, deve ser realizado o estudo serológico em mulheres sem imunidade documentada, de acordo com as normas recomendadas. Neste grupo populacional, a prevenção da infecção fetal torna-se fundamental, sendo essencial que sejam tomadas medidas de prevenção primária da infecção materna. As estratégias empregues neste tipo de prevenção merecem particular interesse, pois visam reduzir o risco de infecção e originam uma maior consciencialização para uma problemática que tem um grande impacto, tanto na saúde humana, como na saúde animal. É, então, importante, a implementação de programas educacionais incorporados nos cuidados obstétricos, tal como a adopção de medidas de higiene e de hábitos alimentares que confiram segurança durante a gestação. Assim, a prevenção da infecção materna inclui algumas medidas como lavar as mãos depois de manipular carne crua, lavar muito bem todos os vegetais, legumes e fruta com água corrente, mesmo quando se pretende descascá-los, evitar a ingestão de carne crua ou mal passada e de frutas ou legumes crus, separar os alimentos crus dos alimentos prontos a consumir, lavar os utensílios que estiveram em contacto com os alimentos crus e utilizar luvas quando se fizer jardinagem e quando se manipular as fezes de gato, devendo lavar-se sempre as mãos após estas práticas.
O diagnóstico precoce de toxoplasmose durante a gravidez permite a rápida intervenção em caso de infecção, reduzindo a probabilidade de infecção fetal, a qual poderá ter consequências devastadoras. No entanto, a actuação nos comportamentos de risco com a educação para a saúde e a adopção de hábitos higiénicos adequados, é a forma que tem maior impacto e a mais eficaz em reduzir este problema de saúde pública.
*Doença infecciosa transmissível, em condições naturais, dos animais vertebrados ao homem e inversamente.