Lahcene Abib

A 12 de janeiro de 2010, um terramoto de magnitude 7,3 provocou a morte de mais de 280.000 pessoas, feriu outras 300.000 e destruiu milhões de casas e quase 60% da infraestrutura de saúde do Haiti. Além de prestar homenagem àqueles que foram direta ou indiretamente afetados pelo desastre, a Médicos do Mundo recorda os seus esforços e alerta para a crise humanitária, que pode ser tão catastrófica quanto a que foi vivida com o terramoto e que se agrava progressivamente. 

Uma crise esquecida... e um sistema de saúde em situação precária 

Após 15 anos do terramoto, o Haiti enfrenta uma espiral de violência ininterrupta, agravada por múltiplos desafios de saúde, humanitários e de segurança. Segundo as Nações Unidas (ONU), mais de 5.600 pessoas foram mortas em 2024 devido ao aumento da violência, o que representa mais de 1.000 pessoas em comparação com 2023. 

"O terramoto de janeiro de 2010 causou estragos no sistema de saúde já precário. E as instituições têm sido atacadas nos últimos dois anos e simplesmente não conseguem funcionar corretamente. Uma grande parte da população tem dificuldade em aceder aos cuidados de saúde", refere o coordenador médico da Médicos do Mundo no Haiti. 

O sistema público sofre de um estado de subfinanciamento crónico, falta de recursos e uma escassez crítica de pessoal. Atualmente, apenas 37% das infraestruturas de saúde em Port-au-Prince estão totalmente operacionais; segundo a ONU, as que estão totalmente operacionais continuam a ser de difícel acesso devido à insegurança. O Gabinete Integrado das Nações Unidas no Haiti (BINUH) acredita que mais de 40.000 trabalhadores de saúde fugiram do país devido à violência. A maioria das infraestruturas privadas encerrou, e muitas pessoas não podem pagar pelos serviços das que permanecem abertas. O pessoal, os pacientes e as infraestruturas de saúde estão a ser alvo de ataques, uma situação que a Médicos do Mundo condena veementemente. A resposta da comunidade internacional continua a ser insuficiente para lidar adequadamente com a urgência da situação e o colapso do sistema de saúde. 

 

"Quando alguém sente uma dor no joelho (por exemplo), esta tende a ser aguda inicialmente, por isso chama imediatamente a atenção da pessoa. Essa pessoa vai procurar cuidados imediatos para aliviar o seu sofrimento. Mas se a dor persistir por um longo período, a pessoa aprende a viver com a dor, torna-se 'a norma' e deixa de estar em primeiro plano. Este cenário pode ser visto como análogo à situação que o Haiti enfrenta, da forma como é visto pelo mundo exterior", conta o coordenador médico da Médicos do Mundo no Haiti. 

 

A crise no Haiti continua a piorar dia após dia e é remetida ao esquecimento pelo resto do mundo. Enquanto isso, 5,5 milhões de pessoas necessitam de ajuda humanitária. As necessidades são complexas... e urgentes. 

 

"O nosso objetivo é que o sistema de saúde seja capaz de funcionar por si próprio, e é por isso que estamos a disponibilizar apoio. A população está muito agradecida pela ajuda que fornecemos, e quando fazemos um balanço do que realizámos até agora, sabemos que é importante continuar. Os haitianos são resilientes: testemunhámos isso em primeira mão a partir de 12 de janeiro de 2010, quando aqueles que perderam tudo ainda tiraram tempo para ajudar os outros, continuaram a viver as suas vidas e a sorrir", refere o coordenador médico da Médicos do Mundo no Haiti.

 

Foto Haiti_12 anos do terramotoLahcene Abib

 

Relações bem estabelecidas com a comunidade ajudam a responder à emergência 

A Médicos do Mundo apoia os serviços de saúde no Haiti desde 1996, muito antes do terramoto de 12 de janeiro de 2010. Estar presente na comunidade há quase 30 anos permitiu às equipas locais agir rapidamente para atender às necessidades urgentes da população à volta da capital Port-au-Prince, que foi fortemente atingida. 

 

"Eu estava a trabalhar como médico de clínica geral em Port-au-Prince quando o terramoto aconteceu, e acabei por me juntar à Médicos do Mundo para fazer parte da resposta pós-terramoto em 2010. No entanto, muito antes do desastre, a Médicos do Mundo já apoiava os serviços de saúde em Cité Soleil, através de projetos de saúde dedicados ao VIH, nutrição e saúde materna e infantil, ao mesmo tempo que promovia atividades de sensibilização comunitária. A estreita relação da Médicos do Mundo com a comunidade facilitou a rápida implantação de clínicas móveis, beneficiando não apenas as pessoas deslocadas que viviam nos campos, mas também os residentes dos bairros adjacentes, que muitas vezes estavam privados de acesso aos cuidados de saúde, mesmo antes do terramoto", conta o coordenador médico da Médicos do Mundo no Haiti. 

 

Após o terramoto de 12 de janeiro de 2010, a Médicos do Mundo implantou uma clínica semipermanente num campo de deslocados, bem como clínicas móveis que serviam oito campos e vários distritos em Cité Soleil. Além dos cuidados médicos, as pessoas deslocadas receberam cuidados de saúde mental e apoio psicossocial para tratar as feridas não visíveis causadas pelo desastre. As intervenções de emergência e os esforços de reconstrução continuaram até 2012, altura em que o foco foi colocado no reforço dos centros de saúde existentes (em colaboração com instituições públicas, autoridades de saúde e comunidades locais). 

 

A batalha contra a cólera 

Um surto de cólera eclodiu ao longo do rio Artibonite no Haiti em outubro de 2010; esta grave infeção intestinal teve origem em soldados nepaleses da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH). Segundo estimativas do Ministério da Saúde Pública e População do Haiti (MSPP), 9.792 haitianos morreram entre 2010 e 2019 devido à cólera. A Médicos do Mundo – em colaboração com as autoridades locais e outros parceiros, e graças à sua presença na comunidade – lutaram contra a propagação da doença durante 10 anos, nomeadamente através da criação de 19 estações de reidratação oral; um centro de tratamento em Cité Soleil; e a implantando de Equipas Móveis de Intervenção Rápida (EMIRA), tratando quase 10.000 pessoas e sensibilizando mais de 141.000 indivíduos. A resposta da Médicos do Mundo à epidemia acabou por se estender a toda a região metropolitana de Port-au-Prince, bem como ao departamento de Nord-Ouest. Durante uma cerimónia oficial que marcou a eliminação da cólera no Haiti em 2022, os esforços da Médicos do Mundo foram elogiados pelo primeiro-ministro e pelo ministro da Saúde Pública e População. 

A cólera voltou a surgir no Haiti em outubro de 2022, após quase três anos sem nenhum caso relatado, e espalhou-se rapidamente pelo país. A insegurança, a escassez de combustível e as dificuldades no acesso aos cuidados de saúde agravaram a situação e levou ao ressurgimento em seis departamentos do Haiti. Embora o surto esteja atualmente sob controlo, a situação continua propícia à propagação da cólera e de outras doenças como dengue, tuberculose, sarampo e poliomielite, particularmente em áreas que abrigam pessoas deslocadas. A Médicos do Mundo reafirma o seu compromisso de responder rapidamente às necessidades das comunidades afetadas. 

 

A Médicos do Mundo no Haiti 

A Médicos do Mundo está no Haiti há quase 30 anos, a trabalhar nas áreas da saúde, direitos sexuais e reprodutivos, saúde mental e proteção, bem como formação de pessoal e melhoria da infraestrutura do sistema de saúde. Em colaboração com agentes comunitários polivalentes de saúde polivalentes (ACPS), autoridades de saúde e parceiros, a Médicos do Mundo responde às necessidades de saúde das comunidades locais e facilita o acesso aos cuidados, apesar do contexto de segurança complexo.

 

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