©Mohammed Al Masri

A anteceder a data em que se assinala um ano do conflito na Palestina e em Israel – no próximo dia 7 de outubro -, a Associação das Agências Internacionais para o Desenvolvimento (AIDA, na sigla em inglês) recorda os crimes de atrocidade e o sofrimento sem precedentes, apelando a uma ação da comunidade internacional. 

Numa declaração emitida esta quinta-feira, 3 de outubro, a AIDA, que reúne mais de 80 organizações internacionais não-governamentais e sem fins lucrativos que trabalham nos Territórios Palestinianos Ocupados - entre as quais também as delegações da MdM de Espanha, França e Suíça -, avisa para o risco de a inação “criar um precedente perigoso para futuras atrocidades e para minar os mecanismos internacionais de justiça e paz”.

 
Conheça abaixo a declaração na íntegra. 

 

 

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Declaração da AIDA: um ano de devastação – assinalar os crimes de atrocidade e o sofrimento sem precedentes nos Territórios Palestinianos Ocupados e em Israel

 

Ao longo do último ano, emitimos inúmeras declarações a alertar o mundo para a terrível situação que se está a desenrolar em Gaza. Todas as vezes, a mesma mensagem foi repetida com números atualizados, que refletiam os horrores infligidos aos palestinianos, sem recorrer a novas palavras para descrever a dimensão do que estamos a testemunhar. Ao assinalar um ano, optámos por não fazer eco desses avisos. O que queremos dizer é simples: nunca imaginámos que o mundo permitisse que este horror continuasse durante tanto tempo, ou que Israel agisse com tanta impunidade.

Estes últimos 12 meses não são apenas um marco da violência brutal infligida aos palestinianos, mas também uma acusação à nossa humanidade coletiva. Refletem o fracasso da ordem internacional, em especial das nações poderosas, cuja inação e facilitação das ações de Israel agravaram o sofrimento dos palestinianos e destruíram as normas internacionais. Este fracasso estende-se muito além de Gaza, minando as próprias fundações do que a comunidade global se esforçou por defender desde a sua criação.

Há quase um ano, as autoridades israelitas declararam um “cerco total” a Gaza, com o ministro da defesa a anunciar publicamente: “Não haverá eletricidade, nem comida, nem combustível, está tudo fechado.” Esta medida veio agravar o sofrimento causado pelo bloqueio de 17 anos e pela ocupação desumana e ilegal de décadas, que já restringiam gravemente o fluxo de pessoas, bens essenciais, serviços e ajuda humanitária, punindo coletivamente toda uma população civil.

No último ano, as ações militares de Israel - incluindo bombardeamentos indiscriminados, ataques aéreos implacáveis e bombardeamentos - mataram e mutilaram um número recorde de civis palestinianos, incluindo crianças. A destruição generalizada das infraestruturas de Gaza, incluindo hospitais, escolas e habitações, pôs de rastos o seu sistema de saúde e tornou quase impossível o acesso a água potável, ao mesmo tempo que propagou doenças. A fome tem sido utilizada como método de guerra, com Israel a restringir a entrada de alimentos, combustível e medicamentos. 

A deslocação forçada, repetida e ilegal de milhões de palestinianos tem apagado qualquer sentimento de segurança ou dignidade, limitando-os a parcelas de terra cada vez mais pequenas, à medida que as áreas humanitárias designadas pelos militares israelitas diminuem para apenas 11% do território do enclave, e fragmentando ainda mais as comunidades. Estas atrocidades, em clara violação do direito internacional, causaram uma catástrofe humana sem precedentes, atirando os palestinianos para ciclos de deslocamento, sofrimento e privação. Uma geração de crianças ficou órfã, mutilada e traumatizada, com impactos que perdurarão por gerações, mesmo que se chegue a um cessar-fogo. A devastação em Gaza continua a ter efeitos desastrosos, desestabilizando a região e afetando a paz e a segurança mundiais, com consequências sentidas muito além das suas fronteiras.

Os atentados de 7 de outubro do ano passado, perpetrados por grupos armados palestinianos contra israelitas, foram uma recordação devastadora dos ciclos de violência que não dão sinais de abrandar. Os ataques deliberados contra israelitas causaram imenso sofrimento, trauma e perda de vidas. Estes atos infligiram cicatrizes profundas a inúmeras famílias e comunidades, e nós condenamo-los inequivocamente. Ao recordarmos os que pereceram, apelamos a um cessar-fogo imediato e à libertação de todos os reféns e dos milhares de civis ilegalmente detidos - sejam eles israelitas ou palestinianos. A proteção dos civis deve ser uma prioridade partilhada por todos e é imperativo que o direito internacional seja respeitado em todos os casos.

As Nações Unidas comunicaram um número sem precedentes de crianças mortas e mutiladas nos territórios palestinianos ocupados e em Israel, em 2023, designando-o como o ano do maior número de violações graves registadas contra crianças em todo o mundo desde o início da monitorização. Os dados relativos a 2024 deverão revelar realidades ainda mais terríveis. Enquanto trabalhadores humanitários, enfrentamos imensos riscos quando tentamos prestar ajuda em condições terríveis. No ano passado, foram mortos mais colegas humanitários em Gaza do que em qualquer outro ano de conflito, em qualquer parte do mundo. Desde 7 de outubro, foram mortos mais palestinianos na Cisjordânia do que nos seis anos anteriores a esta data.

A ocupação militar israelita ilegal, prolongada e beligerante do território palestiniano continua a privar o povo palestiniano dos seus direitos, desafiando os organismos jurídicos internacionais com um número crescente de violações do direito internacional humanitário e dos direitos humanos, incluindo o assassinato e a mutilação generalizados de palestinianos, e a destruição das suas casas, escolas e infraestruturas essenciais para sustentar a vida. Além disso, de acordo com o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), existe o risco de os direitos dos palestinianos, ao abrigo da Convenção do Genocídio, estarem a ser violados, pelo que Israel deve pôr termo a todas as ações que contribuam para tal. Os Estados terceiros são obrigados a impedir o genocídio, incluindo a cessação do fornecimento de armas ou de assistência militar que possam ser utilizados por Israel em tais atos. O não cumprimento da decisão do TIJ e do seu parecer consultivo mais recente, bem como das votações históricas da Assembleia Geral das Nações Unidas, constituirá uma mensagem de que os Estados podem ser seletivos na aplicação do direito internacional e só alimentará a impunidade de Israel.

Ao assinalarmos um ano de devastação e de punição coletiva de toda uma população civil, estamos todos de luto e condenamos os crimes de atrocidade cometidos nos últimos 12 meses. Ainda não é demasiado tarde para a comunidade mundial agir. Apelamos aos líderes para que apliquem um cessar-fogo, protejam os civis, garantam o acesso humanitário, assegurem a libertação dos reféns e dos civis detidos ilegalmente, abordem as causas profundas do conflito, respeitem plenamente o direito internacional - nomeadamente pondo termo à exportação de armas para as partes beligerantes -, assegurem a responsabilização - acionando os mecanismos internacionais -, apoiem as investigações sobre estas atrocidades e trabalhem verdadeiramente para pôr termo à ocupação ilegal por Israel.

Se o mundo continuar a limitar-se a publicar condenações vazias, os princípios do direito internacional vão continuar a ser fragilizados ou desrespeitados, e arriscar-nos-emos a criar um precedente perigoso para futuras atrocidades e para minar os mecanismos internacionais de justiça e paz.

A Associação das Agências Internacionais para o Desenvolvimento (AIDA)