Pexels

Ao assinalar-se os 40 anos da epidemia de VIH em Portugal, olhamos para o último relatório sobre esta infeção, recordando o trabalho que a Médicos do Mundo continua a fazer neste campo.

Fernando Vasco

 

 

 

 

 

 

Por Fernando Vasco
Médico e presidente da Assembleia Geral da Médicos do Mundo

 

Em 2023, assinalaram-se os 40 anos da epidemia de Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH) em Portugal. O vírus espalhou-se pelo mundo, tendo a epidemia sido considerada pela ONU como uma emergência mundial e um problema de segurança nacional. Na verdade, dada a transmissão do vírus se fazer através de contactos sexuais, a população sexualmente ativa era a mais vulnerável. 

Na altura, sem tratamento conhecido, as previsões feitas para populações com elevada prevalência eram catastróficas. Ao dizimar a população sexualmente ativa, provocava impactos negativos na esperança média de vida, na força de trabalho, nas famílias e nos serviços de saúde para além de elevados níveis de estigma e discriminação  para com os infetados.  

Hoje em dia, os avanços da prevenção e da terapêutica, com impacto positivo na transmissão da infeção, têm vindo a reduzir por todo o mundo os novos casos e a aumentar a esperança de vida das pessoas que vivem com o vírus. Desde que o acesso à terapêutica exista, a infeção, tornou-se uma doença crónica.

Contudo, há que manter, não só as medidas já tomadas, mas também é urgente redefinir as estratégias de prevenção, ajustando-as à nova realidade e às mudanças socioculturais. Se não o fizermos o vírus continuará a infetar.

No passado dia 1 de dezembro comemorou-se o Dia Mundial da Luta contra a SIDA. A este respeito parece importante assinalar duas questões. A primeira é que a Médicos do Mundo, para além de fazer referência a este dia nos seus próprios meios de comunicação, presta particular atenção ao rastreio desta doença em todos os seus projetos nacionais e internacionais. A segunda é que importa fazer referência ao relatório da Direção-Geral da Saúde (DGS) e do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA). “Infeção por VIH em Portugal – 2023”, que nesse dia foi publicado.

Diz o relatório que em 2022 foram diagnosticados 804 novos casos de infeção por VIH, o que mostra que a incidência da infeção tem vindo a decrescer no nosso país desde o ano 2000. Esta tendência está em linha com o que se verifica a nível mundial. Os novos casos por VIH reduziram-se em 59% desde o pico alcançado em 1995. Em 2022, infetaram-se pelo VIH 1,3 milhões [1 a 1,7 milhões] de pessoas, em 1995 infetaram-se  3,2 milhões [2,5 a 4,3 milhões].1 

Entre  2013 e 2022, o número de novos casos de infeção por VIH diminuiu 56% e o de novos casos de Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (SIDA) 74%. A média de idades dos novos casos é de 37 anos e a maioria (75,5%) ocorre em indivíduos do sexo masculino.

A transmissão heterossexual continua a ser a mais frequente (47,7%), com os casos em homens que têm sexo com homens (HSH) a corresponderem à maioria dos novos diagnósticos em indivíduos do sexo masculino (61,8%).

Diagnóstico continua a ser tardio

O relatório mostra ainda que o diagnóstico dos novos casos é tardio em 57,2%, valor que ascende aos 69,9% nas pessoas de 50 e mais anos, o que  deve alertar os profissionais de saúde para “pensarem VIH”, sempre que atendam adultos sexualmente  ativos.

A Área Metropolitana de Lisboa e a região do Algarve apresentam a taxa de novos diagnósticos mais elevada no último quinquénio. Os distritos com maior número de casos de infeção por VIH acumulados, em todo o período em análise (1983-2022), e também na ultima década, são, por ordem decrescente, Lisboa, Porto e Setúbal. Portalegre, Guarda e Bragança são os distritos do país com menor número de casos acumulados até ao final de 2022.  

Em 2022 foram comunicados 151 óbitos em pessoas com a infeção VIH. O diagnóstico da maioria destes casos (51,7%) ocorreu há mais de 15 anos. A idade mediana dos óbitos foi de 60 anos.

Em 2023, para além dos quarenta anos da epidemia de VIH em Portugal, assinalam-se também os 30 anos do Programa de Troca de Seringas (PTS). O PTS distribuiu mais de 64 milhões de seringas, o que teve impacto evidente na redução da infeção entre os utilizadores de drogas por via injetável. Neste grupo, verificou-se uma redução de 84% dos novos diagnósticos entre 2013 e 2022.

Nestes quarenta anos foram notificados 66.061 casos de infeção, dos quais 23.637 atingiram o estádio SIDA e foram reportados 15.779 óbitos em pessoas que viviam com VIH. Estimativas de 2021 apontam para que em Portugal vivam 45.532 pessoas com infeção por VIH.

Em 2022, registaram-se aumentos expressivos no número de testes para VIH efetuados no país – cerca de 70 mil através de testes rápidos e mais de 370 mil em testes laboratoriais com prescrição do Serviço Nacional de Saúde. Aumentou, também, o número de pessoas que usaram Profilaxia Pré-Exposição (PrEP), com aproximadamente 4.500 pessoas a receberem-na pelo menos uma vez no ano, 2.161 das quais pela primeira vez na vida.

O estigma e a discriminação associados à infeção por VIH persistem. Quatro em cada dez pessoas referem ter sofrido algum tipo de discriminação social e 15% reportaram já ter sofrido alguma situação de violação dos seus direitos, de acordo com o Índice do Estigma das Pessoas que Vivem com VIH.

Pela nossa parte, não tencionamos reduzir a nossa intervenção nesta área junto de todos aqueles que nos procuram. 

A Médicos do Mundo mantem o seu compromisso com as pessoas e com a comunidade na educação para a saúde, prevenção e diagnostico precoce do VIH.