Na sequência de um recurso interposto pela Médicos do Mundo (MdM), em conjunto com a AIDES e a Médicos sem Fronteiras (MSF), o Instituto Europeu de Patentes (IEP) decidiu manter, esta terça-feira, a patente do composto de base do sofosbuvir, um tratamento para a hepatite C, detido pela empresa farmacêutica americana Gilead.
A decisão do IEP confirma, uma vez mais, o monopólio abusivo e ignora os fatores que teriam permitido a chegada de genéricos a preços acessíveis à Europa. Numa altura em que os nossos sistemas de saúde atravessam uma crise sem precedentes, é urgente que os Estados assumam as suas responsabilidades na proteção da saúde pública.
Na sequência da audiência pública da Câmara de Recurso, o IEP renova a sua decisão de outubro de 2018, que aceitou os argumentos da Gilead e manteve a patente do composto de base do sofosbuvir. Ao fazê-lo, o IEP está mais uma vez a apoiar uma patente indevida.
"O caso do sofosbuvir é um exemplo da má utilização do sistema de patentes que a MdM está a combater, e a decisão do IEP é muito preocupante, porque revela a sua fraqueza. Mostra que existe uma total incoerência entre a aplicação do direito das patentes e as necessidades dos sistemas de saúde pública. Há uma necessidade urgente de reformar a política de patentes na Europa", afirma Olivier Maguet, responsável pela missão Preços de Medicamentos da MdM.
"Um dos critérios essenciais para a patenteabilidade é a atividade inventiva*. No entanto, o sofosbuvir não cumpre este critério", acrescenta.
Por seu lado, Quentin Jorget, consultor em propriedade inteletual das organizações responsáveis pelo recurso, refere que "no nosso processo de oposição, apresentámos argumentos muito claros que demonstram que a maioria dos compostos abrangidos pela patente não tem qualquer efeito técnico. No entanto, ignorando a lógica de que uma patente deve cobrir uma invenção genuína, a Câmara de Recurso decidiu manter a patente".
Já Florence Rigal, presidente da MdM França sublinha ser importante “lembrar que o Estado continua a ser o regulador ao longo de toda a cadeia de disponibilização de medicamentos: segurança sanitária, concessão de patentes, fixação de preços e garantia da solvência do mercado. Quando o Estado concede patentes indevidas, está a falhar na sua responsabilidade de defender o direito fundamental à proteção da saúde para todos".
De acordo com a OMS, milhões de pessoas em todo o mundo ainda vivem com hepatite C não diagnosticada e não tratada.
* De acordo com a Convenção sobre a Patente Europeia, considera-se que uma invenção implica uma atividade inventiva se, para uma pessoa competente na matéria, não for óbvia a partir do estado da arte.