Estamos junto das populações afetadas pelo terramoto de 6 de fevereiro, na Turquia e na Síria. Conheça aqui os testemunhos de algumas das pessoas que estamos a apoiar no terreno. 

 

A jornada de resiliência de Manal: uma história de esperança e de capacitação
Manal, 43 anos, síria, mãe de quatro crianças

manal_testemunho turquia
Manal durante uma sessão de
SMAP na clínica de Jandairis
/MdM Turquia

Manal, de 43 anos, passou por dificuldades inimagináveis, devido ao atual conflito na Síria. Deslocada da sua residência, na zona rural de Hama, deu por si à procura de refúgio num campo no norte da Síria, juntamente com os seus quatro filhos. Os desafios da deslocação já tinham posto à prova a sua força e resiliência, mas mal sabia que a sua vida estava prestes a mudar drasticamente, mais uma vez.

Na manhã de 6 de fevereiro, Manal acordou com o violento tremor de terra. Confusa e aterrorizada, apercebeu-se rapidamente de que um terramoto estava a assolar a região. Os seus filhos gritavam de medo, aumentando o caos que os rodeava. Em estado de pânico, Manal conseguiu reunir os filhos e fugir do prédio, sem se aperceber da destruição provocada.

Quando a poeira assentou, Manal viu a devastação diante dos seus olhos. Uma grande parte da sua casa tinha sido reduzida a escombros, deixando-os sem teto e vulneráveis. No meio do caos, descobriu que o marido tinha desaparecido. Desesperada e agitada, procurou ajuda junto de familiares em locais próximos. Com a ajuda deles, conseguiram retirar o marido dos escombros e levaram-no de urgência para o hospital. O seu braço foi amputado, devido à gravidade dos ferimentos.

Dominada pela dor, pelo trauma e pelo peso da sua nova realidade, Manal procurou consolo no Centro de Saúde de Jandairis, que é gerido pela Médicos do Mundo (MdM) Turquia, onde encontrou médicos compassivos, que ouviram a sua dor e sofrimento. Reconhecendo a necessidade de apoio psicológico, o médico encaminhou-a para o departamento de saúde mental, onde encontrou um ouvido atento e a compreensão da equipa de Saúde Mental e Apoio Psicossocial (SMAP).

As equipas da MdM Turquia iniciaram com Manal sessões de saúde mental e prestaram-lhe os serviços básicos, através da equipa de gestão de casos. Manal foi colocada com os filhos num campo de acolhimento e recebeu cabazes de ajuda e, após algum tempo de recuperação, foi posta em contacto com o Centro de Empoderamento das Mulheres, para participar numa formação profissional. Os médicos da MdM Turquia também começaram a trabalhar com o marido, para melhorar a sua lesão.

"Não consigo imaginar o que aconteceu nesse dia, foi como um pesadelo. Não sabia o que tinha acontecido. Tudo o que me lembro é de acordar os meus filhos e de pegar num deles ao colo. Descemos e não me recordo onde estava o meu marido nesse momento. A casa tremeu durante muito tempo, estava a chover e fazia muito frio lá fora, e os meus filhos estavam a gritar. Não me lembro exatamente do que aconteceu de seguida, só de já estar no exterior da casa. Havia escombros por todo o lado, o chão ainda estava a tremer e começámos a correr para fora do bairro. Depois de os nossos familiares chegarem, fomos procurar o meu marido, depois conseguimos tirá-lo dos escombros e salvá-lo, mas ele perdeu o braço", diz Manal com tristeza.  

Na segurança destas sessões, Manal partilhou a sua experiência angustiante e os pesadelos que a perseguiam. Exprimiu a sua incapacidade de dormir e a tensão que isso tinha colocado na sua relação com o marido, após a amputação deste. A equipa de SMAP ofereceu-lhe um espaço seguro para que pudesse melhorar e deu-lhe orientações sobre como lidar com as consequências de um acontecimento tão traumático. Os psicólogos da MdM Turquia mantiveram as sessões com Manal, para corrigir os equívocos relacionados com o seu sentimento de culpa em relação ao que aconteceu com o marido. Além disso, ajudaram-na a ultrapassar o trauma, a regressar à rotina normal da vida, a planear a gestão dos seus problemas, a lidar com o marido e os filhos, e a cuidar de si própria.

Entretanto, as equipas de saúde mental e de apoio psicológico da MdM Turquia intervieram para prestar apoio e serviços essenciais a Manal e aos seus filhos. Asseguraram a sua segurança, colocando-os num campo de abrigo, e forneceram cabazes de ajuda, para satisfazer as suas necessidades imediatas. Ao reconhecer o potencial de capacitação de Manal, também a colocaram em contacto com o Centro de Capacitação das Mulheres, para que pudesse inscrever-se em programas de formação profissional, assim que se sentisse suficientemente recuperada. 

Sob a orientação de um psicólogo diligente, Manal embarcou numa viagem de cura e autodescoberta. Através de sessões de terapia contínuas, confrontou-se com os seus sentimentos de culpa e começou a compreender que o terramoto foi uma força incontrolável da natureza e não algo de que se pudesse culpar. O psicólogo ajudou-a a lidar com o seu trauma, a encontrar formas de se reintegrar numa rotina normal e a desenvolver estratégias para gerir os seus desafios, tanto com o marido, como com os filhos.

Com uma nova força e determinação, Manal abraçou a formação profissional, frequentando cursos de costura para melhorar as suas competências e garantir uma fonte de rendimento, para sustentar a sua família. O Centro de Empoderamento das Mulheres tornou-se um local de capacitação e de amizade, onde conheceu outras mulheres que partilhavam dificuldades semelhantes. 

Manal, de 43 anos, com quatro filhos, tornou-se num símbolo de esperança no meio da guerra e da catástrofe. Não só reconstruiu a sua vida após os terramotos devastadores, como também se tornou uma defensora do apoio à saúde mental, partilhando a sua história de sobrevivência e inspirando outras pessoas a procurar ajuda. 

O percurso de Manal é um testemunho do poder da compaixão, da resiliência e do potencial transformador do apoio em tempos de crise. Perante uma adversidade inimaginável, manteve-se firme e tornou-se um farol de esperança para si própria, para a sua família e para a sua comunidade, provando que, mesmo nos momentos mais difíceis, o espírito humano pode prevalecer.
 

“Senti que o meu mundo se tinha desmoronado.”
Ahmad, 47 anos, refugiado sírio

Ahmad_MdM TurquiaMdM Turquia

Ahmad e os seus cinco filhos ficaram presos nos escombros durante duas horas. 
Encontrámo-lo na berma da estrada. Ele viu a equipa móvel da MdM e veio pedir cuidados de saúde. O seu dedo ainda estava ferido desde o terramoto. Os médicos da MdM Turquia disponibilizaram-lhe o tratamento e os medicamentos necessários para a ferida. 

"Ainda me lembro desse dia como se fosse ontem. Eu e a minha família estávamos em casa, a dormir, quando de repente o chão começou a tremer. Era algo que nunca tinha sentido antes - toda a casa estava a tremer e as coisas caíam das prateleiras. Percebi imediatamente que se tratava de um terramoto.

Tentei pôr a minha família em segurança, mas o terramoto foi demasiado forte. Quando dei por mim, tudo se desmoronou à nossa volta e ficámos presos debaixo dos escombros. Não conseguia acreditar no que estava a acontecer - estava ali com os meus cinco filhos e não sabia se conseguiríamos sair vivos. 

Ficámos ali durante o que pareceu ser uma eternidade, a rezar por um milagre. Os meus filhos choravam e gritavam, e eu sentia-me tão impotente. Sabia que tinha de ser forte por eles, mas era difícil manter-me distante do meu próprio medo. Não parava de pensar na minha mulher, que não respondia, e rezei para que ela estivesse bem.

Quando a equipa de salvamento finalmente chegou, senti uma réstia de esperança. Mas estavam a ter dificuldade em encontrar-nos e eu não sabia se conseguiríamos aguentar muito mais tempo. Parecia que o peso do mundo nos estava a esmagar.

Finalmente, depois do que julgo terem sido várias horas, encontraram-nos. Nunca esquecerei o alívio que senti quando começaram a retirar-nos dos escombros. Mas depois, disseram-me que a minha mulher não tinha sobrevivido. Senti que o meu mundo se tinha desmoronado. Não sabia como ia criar os meus filhos sozinho, sem ela ao meu lado. Que Deus tenha piedade dela...

Agora ainda estou a tentar perceber tudo. Estou a lutar para sustentar os meus filhos e para lhes dar o amor e o apoio de que precisam. Mas sei que tenho de continuar, para bem deles. Eles esperam que eu seja forte. Se eu tiver medo, eles terão ainda mais medo. Sinto-me realmente devastado pelo facto de eles irem crescer sem a mãe. Não consigo imaginar a dor deles e admiro a sua força. Nunca esquecerei o que passámos nesse dia e guardarei para sempre a memória da minha mulher. Ela era uma mãe maravilhosa e uma esposa amorosa, e estará sempre connosco em espírito."