É a primeira estrutura de apoio aos refugiados que chegam a Portugal fora dos grandes centros urbanos. O Centro de Transição de Refugiados (CTR) de Évora, um projecto do Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS), no âmbito da Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR), já começou a funcionar e conta com a parceria da Médicos do Mundo (MdM). 

ÉVORA

 

 

 

 

 

A Médicos do Mundo está de regresso a Évora, depois do “Saúde sem Papéis”, um projecto que, entre 2010 e 2011, prestou cuidados de saúde a populações vulneráveis entre jovens, pessoas em situação de sem abrigo, imigrantes ou idosos. Tal como já acontece no Centro de Acolhimento Temporário para Refugiados (CATR) do Lumiar, em Lisboa, a MdM disponibiliza gratuitamente, no contexto da nova resposta a refugiados em Évora, cuidados primários de saúde que passam pela triagem de eventuais problemas que incorram em riscos para a saúde pública, nomeadamente doenças infecciosas e despiste da agudização de situações crónicas, para além de outras situações. 

Com capacidade para cerca de 30 pessoas, o CTR de Évora tem como objectivo garantir o acolhimento de famílias provenientes da Turquia e do Egipto, ao abrigo do Programa de Reinstalação. Aqui, as famílias permanecem por um período máximo de três meses, sendo depois reencaminhadas para instituições de acolhimento da PAR em todo o país.  

A maior facilidade na integração linguística, na promoção do conhecimento dos hábitos e da cultura portuguesa, assim como no estabelecimento de contactos com a população local, na integração no mercado de trabalho e até na identificação de famílias de acolhimento poderão ser algumas das vantagens da descentralização da resposta ao acolhimento de refugiados. Quem o diz é Isabel Lima, médica especialista em Medicina Geral e Familiar, voluntária da MdM no CTR de Évora, com quem falámos a propósito da abertura desta nova estrutura e do Dia Mundial do Refugiado, assinalado na passada quinta-feira, dia 20 de Junho. 

Colabora neste momento com a Médicos do Mundo. É a primeira vez que realiza voluntariado?


Isabel Lima (IL): Já fiz trabalho de voluntariado das mais diversas formas, nomeadamente intervenção em escolas e infantários, através da realização de workshops sobre saúde. Sou hipoterapeuta e trabalhei com adultos e crianças com necessidades especiais na área terapêutica – como autismo, paralisias cerebrais, desvios do comportamento e pós-traumáticos – , recorrendo a animais, nomeadamente o cavalo, durante mais de 10 anos. 

Como conheceu a MdM e como surgiu a oportunidade de ser voluntária na organização?


IL: Cresci e fiz-me adulta em Moçambique. Este ano voltei à “minha terra” com uns amigos com quem trabalho. E foi uma das minhas amigas que me sinalizou à MdM, após a catástrofe do ciclone IDAI, sabendo que tenho perfil para trabalhar no terreno e da minha paixão por África. Para além disso, e uma vez que este ano pretendo reformar-me, quero ter uma reforma activa em prol da família e da sociedade. Não gosto particularmente deste mundo ocidental que estamos a construir. Prezo nele o acesso à ciência e ao conhecimento, mas lamento profundamente a perda de valores e o consumismo. 

Está a colaborar no Centro de Transição de Refugiados recentemente inaugurado em Évora. De que forma olha para a questão dos refugiados? 


IL: O problema dos refugiados desperta-me interesse. É sinal de que algures se está a “atropelar” o ser humano, física, psicológica e culturalmente. O que temos para lhes oferecer, como dar-lhes segurança sem os aculturar e como integrar sem dar falsas perspectivas, são questões nas quais ainda reflicto. Em situações de conflito, sim, temos de os acolher, mas há que ponderar como. Honestamente, sinto-me mais à vontade com a ideia de pegar na mochila e ir até aos seus países de origem “ensinar a pescar”, quando há fome. 

Quais os principais problemas das pessoas refugiadas à chegada a Portugal e de que forma este centro pode ser uma primeira ajuda?


IL: Os principais problemas à chegada a Portugal são o idioma e o choque cultural. Évora é uma cidade pequena e pode ser mais fácil fazer a integração linguística e dar a conhecer os hábitos e a cultura. Veremos quanto à integração no mercado de trabalho. 

A resposta nacional aos refugiados estava até agora concentrada nos grandes centros urbanos. Como via esta situação e quais as vantagens da descentralização desta resposta?


IL: Os grandes centros urbanos oferecem mais empregabilidade, no entanto, o contacto humano é mais difícil. O descentralizar para cidades mais pequenas poderá colmatar o problema e até ser mais fácil encontrar “famílias de acolhimento”. 

De que forma as comunidades locais podem ter um papel relevante neste processo e como se pode promover o seu envolvimento?


IL: Penso que terá de se fazer um esforço, dando conhecimento ao público da existência destes centros. Em Évora, poucos sabem que existe esta instituição, no entanto, sei que há quem tenha interesse em ajudar a integrar e até criar postos de trabalho, quando informados. 

O Centro de Transição de Refugiados em Évora é ainda muito recente mas já houve a oportunidade de receber uma família. Como foi esta primeira experiência?


IL: Gostei de os conhecer. Gostaria de prestar mais apoio, se não fossem as restrições de horários profissionais. No entanto, tenho divulgado junto de conhecidos e de amigos da existência dessa família. Vencida a barreira linguística, penso que será mais fácil a integração. Esta foi, aliás, uma das primeiras informações que lhes dei. 

Para além de todo o trabalho que está a ser realizado em Portugal para apoiar estas pessoas, o que mais podemos fazer, enquanto país e sociedade? 


IL: Individualmente podemos fazer a diferença. Cada gesto de boa vontade, por mais pequeno que seja, contribui para melhorar a Humanidade. O oceano é feito de uma imensidão de gotas, mas cada gota conta. É assim que vejo a vida. Se cada pessoa de boa vontade der uma gota, fazemos um oceano. Não ao contrário.

Isabel Lima
Médica especialista em Medicina Geral e Familiar


Da geração de médicos que ajudou a fundar o Serviço Nacional de Saúde, Isabel Lima, 63 anos, começou por exercer Medicina em pequenas localidades do interior do país, onde a relação com o doente era muita próxima. Nunca perdeu o gosto pela área da urgência/emergência e, mais tarde, entre 2000 e 2018, trabalhou nas Viaturas Médicas de Emergência e Reanimação (VMER) do INEM, em Leira e Évora. Como diz, “ foram 18 anos de ‘rua’, que me trouxeram um conhecimento do ser humano indescritível – rico, stressante, hilariante e angustiante. Vi de tudo, passei de tudo, sem protecção de barreiras físicas ou institucionais”.